quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

A SÍNTESE COSMOGÔNICA DE TUDO




A Poesia Sou Eu, vols. 1 e 2


Poderíamos dar início a este ensaio afirmando que o Maranhão é uma ilha cercada de poetas por todos os lados. Se é exercício ocioso enumerar todos os  que  competentemente  têm  feito  da  fascinante  e áspera luta com as palavras o seu pão estético de cada dia e a ração diária de uma sobrevivência que se espraia para além da ritualizada rotinização comportamental cotidiana, poderíamos, assim mesmo, lembrar a densidade ontológico-metafísico-existencial que imanentiza o luminoso e corrosivo imaginário poético de Nauro Machado; a fecundidade rítmico-imagística de Arlete Nogueira da Cruz, notadamente a que se delineia na sua belíssima Litania da Velha; o telurismo impregnado de elevado  pathos  humano  de  certo  viés  apolineamente  celebratório  da poética de José Chagas; o cotidiano magistralmente transfigurado por Ferreira Gullar em Muitas Vozes, dentre outros que integram o qualificado código onomástico que compõe a cartografia lírica da iluminada ilha.

Agora, prosseguindo essa rica tradição de brilhantes artesãos da palavra poética em suas múltiplas direções, já tendo obtido crescente e consagradora recepção da crítica literária especializada brasileira, surge Luís Augusto Cassas, cuja poética caleidoscópica, estranha e delirantemente visionária se tem constituído como um dos mais bem realizados projetos literários de nossa lírica contemporânea.

Considero caleidoscópica a  cartografia  poética  engendrada  por Luís Augusto Cassas porque, recusando-se, criativamente, a se enquadrar de forma passiva nesta ou naquela vertente estético-filosófica, sua poesia,  portando  exacerbada  sede  de  eternidade  e  ânsia  de  infinito, transcende, pelo alto poder transfigurador de que se reveste, as gramáticas mais rígidas e convencionais das elaborações epistemológicas mais previsíveis e, guiada por uma peculiaríssima e transgressora lógica que rompe os interditos, venham eles de onde vierem, propõe, universal e transdialeticamente,  uma  espécie  de  holística  compreensão  da  realidade;  atravessada  por uma visceralmente  dramática  compreensão  do universo, através de um vertical incursionamento pelas camadas mais abismais da sua significativa e errante personagem histórica, e protagonista maior: o homem, com os seus desafiadores enigmas e encantatórios sortilégios.

Significativa, porque é a partir do horizonte de expectativas gestado  pelo  ser  humano  que  tudo,  a  materialidade  objetiva  do  mundo circundante e  os abismos da interioridade  subjetiva, ganha o desafiador  estatuto  e emblemático contorno  de uma enigmática esfinge  que gera e produz significações (in)decifráveis; errante, porque a travessia humana,  em  suas  mais  variadas  peripécias,  se  tem  nuclearizado  pelo indeclinável  sentimento  de  uma  permanente  busca;  uma  incansável procura pela utopia plenificadora; por fim, histórica, por ser no palco impuro  da  história  que  as  intersubjetivas  relações  humanas  se  constroem, ora eufórica, ora disforicamente.

Dir-se-ia que o pensamento complexo, hoje tornado leitmotiv privilegiado em quase todas as reflexões engendradas pela ciência e pelas diversas formas de manifestação do conhecimento, encontra na poesia de Luís Augusto Cassas uma ostensivamente visível ressonância.

A universalidade do projeto poético gestado pela febricitante imaginação poética de Luís Augusto Cassas provém do fato de que, se por um lado, é das motivações produzidas pela territorialidade geográfica de São Luís que emerge o seu fabulário multiestratificado, por outro, o recorte telúrico, reordenado por níveis crescentes de acendrada fantasia, é apenas ponto de partida, nunca de chegada, de um transmanente voo poético na busca constante da totalidade das coisas, dos seres, dos fenômenos, da linguagem, da poesia; enfim, de tudo o que compõe o vasto e heteróclito repertório da plural e cósmica existencialidade humana.

Já a transdialeticidade, de que o imaginário  poético  de  Luís Augusto Cassas  se  nutre,  na  compacta  corporeidade  de  cada  verso inventado, com a cumplicidade vigilante  da  tessitura  afetiva dos seus ritmos e imagens, e da tonalidade situada nas estésicas fronteiras entre o lúdico-epifânico e  o profético-apocalíptico, sinaliza para uma espécie de núcleo ideativo de base ostensivamente holística, que, escavando o universo através de uma mítica memória ancestral do ser, recusa as dicotomias empobrecedoras e o binarismo previsível das leituras reducionistas e setorizadas da realidade.

Aventura irreprimível da liberdade criadora, a poesia mobilizada e posta em cena por Luís Augusto Cassas, ancorando-se no porto mágico de uma espiral infinita de sentidos, é uma movediça arquitetura semântica que a si mesma se (des)classifica  do  ponto  de  vista  de um enquadramento  genológico  unidimensional,  rebelando-se  contra  os rótulos e etiquetas por vezes postos por uma crítica sistêmica, incapaz, diria Eduardo Portella, de ouvir a voz do silêncio ou perceber, mesmo minimamente,  os  sentidos  que  ultrapassam  as  enganosas  estruturas imanentes à superfície textual, e se vão agasalhar nos subterrâneos simbólicos potencializados pela energia entretextual da poesia.

Com República dos Becos, livro inaugural do seu já diversificado espólio poético, Luís Augusto Cassas, atentíssimo às lições da modernidade literária, nos põe em contato com uma poesia que se vai desentranhando nos bastidores mais miúdos de um cotidiano aparentemente desimportante, mas que, iluminado pelas poderosas lentes de ziguezagueante lírica, revela-se denso e prenhe de ricas significações humanas.

Livro marcado por uma dicção ostensivamente mesclada, acumpliciando o solene e o prosaico, o profano e o sagrado, o físico e o metafísico, tudo atravessado por um vigoroso e cortante sopro irônico, visionário e social, República dos Becos já se vai constituir numa espécie de súmula daquilo que o inquieto autor maranhense iria criar no território mágico da poesia.

De acordo com o teórico francês Alan Viala, o livro inaugural de um determinado escritor reveste-se, no conjunto totalizador da sua criação, de grande importância, visto que, nele, se presentificam aquelas matrizes temático-estilístico-conceituais responsáveis e garantidoras da mundividência desse mesmo escritor.

E, se é fato que os escritores se repetem, não em decorrência de monotonia criadora ou fragilidade imaginativa, mas sim em obediência aos impulsos e obsessões fantasmáticos que lhes habitam o interior, aqui, nessa república inventada por Luís Augusto Cassas, de cada beco rastreado evola-se, prometeicamente, o humano-sagrado fogo da poesia,  revolucionária  poesia,  “revelação  e  expansão  do  ser  sensível”,  no lúcido dizer do mestre Josué Montello.

A realidade cultural que imanta toda a produção poética de Luís Augusto Cassas é a que se cartografa e se circunscreve aos limites ilimitados da sua mítica cidade natal: a Ilha de São Luís. O paradoxo tem a sua íntima razão de ser. Toda cidade é, ao mesmo tempo, o mundo, com a sua ostensiva universalidade, e a província, com os seus fantasmas e as suas inevitáveis formas de opressão. Cosmopolitismo e localismo se dialetizam numa tessitura que fascina e repele; encanta e fere; celebra e denuncia, numa serpentinática tecelagem dos contrários.

Romeira da esperança e peregrina do mundo, a poesia de Cassas é mítica e mística, terna e debochada, anárquica e solar; profundamente solar, capaz de, utopicamente, sonhar com outra realidade, mas  sem perder o bonde da história, matizar-se, também, de um viés profético mais que competente em cifrar e decifrar os enigmas do tempo: os amoráveis fantasmas do passado, os impasses do presente e as incertezas do futuro. Poeta e poesia, em tempos de alucinação e espera, como diria Carlos Drummond de Andrade, fundem-se nas aporias de um mundo que, exacerbada a degradação nos mais diversos níveis, nem mesmo se pode mais dizer “meu Deus”, porque a vida transmuta-se em “pura ordem e impura mistificação”.

Depois de República dos Becos, Cassas, dando forma, cor, luz e sombra ao seu acendrado recorte telúrico, espalhado em toda a sua obra poética, mergulha  no  imaginário  da  cidade,  cantando,  em  A Paixão Segundo Alcântara e Novos Poemas, as faces, disfarces e contrafaces de um projeto de progresso predatório e reificador do humano.

A Paixão Segundo Alcântara e Novos Poemas (Imago-RJ-2006) trilha esta travessia que, ancorada em tonalidade ostensivamente profética, debruça-se sobre a cidade de Alcântara e  dela  retira  a  seiva de que  se  alimenta  o  seu  visionarismo  densamente  contestador  de  uma ordem que se lhe afigura injusta e contrária a um projeto de plenificação humana e cidadania integral.

Mais que uma  geografia  exterior,  a  cidade  é  um  lugar  em  que, conforme escreveu Jorge Luís Borges em O Fervor de Buenos Aires, arde e se consome, consumando-se, o espírito dos homens. Projeção lírica e canto épico, a cidade é, também, palco de tragédias e comédias que dão fisionomia ao multívoco espetáculo humano.

Sobremaneira elucidativas são as palavras de Jose Americo Costa, que, ao prefaciar o livro de Cassas, assim se pronunciou: “De fato, quem conhece de perto o drama de Alcântara e do seu povo tem consciência do choque cultural, geográfico e econômico que a ciência do círculo fechado e a tecnologia sem transcendência provocaram na cidade e nos seus habitantes. Por ocasião da instalação da base de lançamentos, cerca de 312 famílias  de  32  povoados  foram  deslocadas  de  suas  comunidades  para agrovilas,  por  determinação  do  Ministério  da  Aeronáutica.  Longe das suas terras férteis e sem acesso aos recursos naturais, foram obrigadas, a partir de então, a usar identificação liberada pelo Centro de Lançamento de Alcântara para ter acesso à pesca e, portanto, à sobrevivência”.

De acordo com a ensaísta paraibana Elizabeth Marinheiro, “Para a escrita da modernidade, a cidade é um motivo relevante. Com ela, enquanto espaço geográfico e textual, surge a supervalorização do cotidiano”. Cotidiano que, sob os auspícios dos irreversíveis impactos do progresso predatório, facilmente resvala no território corrosivo da desumanização.

Se o poeta, conforme as lúcidas lições do mestre Alfredo Bosi, “é um doador de sentidos”, Cassas encarna, brilhantemente, este perfil, nesta bela e sofrida paixão alcantarense, ao percorrer a alma da cidade, sondar-lhe o angustiado estado de espírito e, sobretudo, captar-lhe a voz transida e matizada pelo áspero e necessário sentimento da resistência. Resistência impotente, é verdade, diante da “força da grana que ergue e destrói coisas belas”, como diria Caetano Veloso, mas que ainda é capaz de deixar, pelos caminhos regados com o dilúvio das lágrimas, os indeléveis vestígios de uma humanidade possível (Poema dos Olhos de Alcântara).

Humanidade que não troque o canto romântico dos sabiás pelo ranger mortífero dos mísseis. Não troque a contemplação desinteressada das estrelas pela cupidez insaciável das especulações mercadológicas. Nem presuma, como autêntica vocação suicida, que a construção do imprevisível futuro somente pode se efetivar com a argamassa dos escombros do passado.

Intimismo lírico e celebração pública, a prosa poética que percorre o solar livro de Luís Augusto Cassas, na parte intitulada Um Peixe Fala aos Homens, segue o mesmo diapasão denunciatório anteriormente exposto.  Aqui, a voz lírica enunciada promove a defesa da natureza arruinada e enfrenta, com desassombro, o pragmatismo triunfante de uma modernidade trituradora dos mais comezinhos valores humanos.

De A Paixão Segundo Alcântara, a poesia de Luís Augusto Cassas desemboca na tonalidade ostensivamente niilista e contracultural de Rosebud. Impregnada das sombras de uma ácida revolta contra o mundo, não raro facilmente metamorfoseada em ódio, a alma do poeta se ensombrece, e a sua poesia transforma-se em um verdadeiro grito contra os descalabros do mundo.  Grito matizado pelo mais visceral sentimento de angústia, dado que, aqui, vê-se, claramente, ser a poesia impotente para promover a sempre perseguida, e adiada, utopia da transformação planetária.

Rosebud é um livro forte, que não se lê impunemente. Nele, promovendo uma espécie de impiedosa catarse da alma, o poeta põe em cena, também, questões que dizem respeito ao próprio papel da arte e do artista no enfermo mundo contemporâneo.

Discorrendo sobre a poesia do paulistano Roberto Piva, o ensaísta Carlos Felipe Moisés, a  certa  altura  do  seu  arrazoado,  afirmou  que “O texto que ali está, no papel, pode ser encarado como uma espécie de partitura, representação provisória das potencialidades de uma voz, ou vozes, que esperam ganhar existência efetiva, sopradas no ar de fora, em vez de serem moduladas pelo ouvido interior, intelecto adentro. Para isso, é preciso que o leitor se faça ouvinte. Mediada pela leitura silenciosa, a oralidade básica da poesia de Piva, com seu intenso poder de canto, passará despercebida. Ou continuará sendo só promessa, latência”.

A despeito das diferenças substanciais que separam as poéticas de Luís Augusto Cassas e Roberto Piva, creio que a asserção de Carlos Felipe Moisés, no tocante ao estrato melopeico que essencializa  o verbo estético do autor paulistano, é perfeitamente cabível, se aplicada ao livro Rosebud, de autoria do maranhense Luís Augusto Cassas.

É como se, no lugar da palavra impressa, impregnada de silêncios e feita para ser apreciada no recolhimento da alcova ou de confortáveis gabinetes, Cassas tivesse optado pelo discurso pronto para ser rugido na praça pública, cuja voz tonitruante fosse minimamente capaz de acordar os homens da letargia em que se acham mergulhados. Daí, a meu ver, impregnar-se o livro de uma configuração dramática, como se os poemas que o enfeixam devessem ser recitados, encenados, vivenciados com todas as dimensões constitutivas da corporalidade humana, e nãoapenas consumidos, individual e solitariamente.

Rosebud é um livro marcado, em toda a sua estilhaçada estruturação interna, pelo doloroso sentimento da crise por que passou o poeta, não somente em relação à funcionalidade do fazer estético, como também ao próprio sentido da existência. Nesse livro corrosivo e dramaticamente confessional, Luís Augusto Cassas, paradoxalmente, declara seu amor e seu ódio por tudo quanto o cerca, inclusive pela poesia, sua amante mais dissimulada e companheira mais perseverante e resistente.

Fundamental na poesia de Luís Augusto Cassas, Rosebud se constituiu no livro do impasse e da transição para outros itinerários poéticos e existenciais; e, de igual modo, da fenda que se abriu para a ultrapassagem do poeta em direção a uma abertura espiritual que o reconciliou com o mundo, com a poesia, com a existência e consigo mesmo.

Rosebud, penso, pode ser definido como um mergulho no abismo e um voo à procura do infinito.  Dessa batalha do poeta com as suas inquietações mais devastadoras, surgiu um novo  canto  e  uma  nova melodia,  que  não  ignora  os  descompassos  e  as  dissonâncias  da  realidade, mas não desiste, nunca, de tentar encontrar o tom mais adequado para a celebração da bela sinfonia da existência. E foi exatamente isso o que fez Luís Augusto Cassas em sua produção posterior, que, iniciada com O Retorno da Aura, foi seguida por Liturgia da Paixão, Ópera Barroca, O Shopping de Deus, Bhagavad Brita — A Canção do Beco, dentre outros que, juntos, compõem uma das mais originais vozes da lírica brasileira da atualidade.

Secreta via de um originalíssimo itinerário mental, como o que aflora do fremente diálogo travado entre discípulo e mestre no estuário semântico do inquietante Bhagavad - Brita — A Canção do Beco, a ascese por que passa o discípulo em busca da iluminação de sua consciência segue a estranheza dos roteiros incomuns que, ao fim e ao cabo, podem levar ao bem supremo, exatamente a que tem na escorregadia unidade de todas  coisas  o  seu  estuário  primordial.  Mas, sem a frieza glacial da tirania racionalista; antes, com a orquestração consorciada e harmônica de todas as dimensões que essencializam o complexo plural a que, na falta de melhor rótulo, chamamos de ser humano, cuja maior dificuldade, diria o sinuoso narrador de Clarice Lispector nas asas do seu selvagem coração, é ser humano.

No Sermão do Beco, pregado  em  três  sincronizados  tempos,  a pedagogia existencial emanada, em cujo interior consorciam-se tecelagem barroca e acendrado panteísmo cósmico, conflui, uma vez mais, para a única conversão em que acredita o poeta, e que se depreende da sua fusionista cosmovisão: o correlacionamento Sujeito versus Objeto; a indissolubilidade entre Deus e o homem; entre a materialidade concreta das raízes da terra e a diafaneidade azul do cromatismo celestial; entre a treva, contraface do bem, e a luminosidade, por vezes disfarce do mal.

Nesse sermão, cuja profissão de fé e credo mais acalentado tem na percepção totalizadora da existência o seu paradigma comportamental predileto e parâmetro axiológico inafastável, a bênção maior é a reconciliação do homem com a ordem cósmica  de  que  ele  emergiu  e  para onde voltará,  de  acordo com a  opção  transdialética  do  multifacetado eu-lírico que Luís Augusto Cassas construiu e fez circular na sedutora diegese lírica que inventou com tanto rigor  estilístico  e  tão arraigado centramento  na  vitalíssima  escola  da  experiência;  verdadeiro  ponto final do seu obsessivo evangelho integratório, no qual “Deus e a matéria são uma coisa só”.

Repelindo enfaticamente qualquer ranço dogmático,  seja  ele  de inspiração física ou metafísica, a poética transmanente de Luís Augusto Cassas, consoante o belíssimo “Agradecimento Final do Discípulo Depois da Iluminação com Pedrada no Cocuruto”, propõe o desvendamento do ontológico mistério do ser, como algo a ser obtido como resultado não de uma epifania episódica e circunstancial, tragada pela desoladora finitude de um tempo fragmentário porque aprisionado pelo mero transcorrer inflexível das horas, mas sim pela recorrente e obstinada travessia do caminhar de todos os instantes, “esvaziando-se o cheio e enchendo-se o vazio”, até o atingimento totalizador da sábia lição do beco: tornar o poeta, e a tantos quantos lhe espreitam o labiríntico roteiro, a imagem e a semelhança do coração, território confluente dos mais díspares e às vezes aparentemente inconciliáveis sentimentos.

Sinfonia de uma procura existencial imanentizada por uma, convém reiterar, irrefreável sede de eternidade e ânsia de infinito, flagradas ambas pelo poeta em cada espetáculo do cotidiano, mesmo nos aparentemente prosaicos e  intranscendentes,  a  música final  do  concerto polifônico do Bhagavad-Brita — A Canção do Beco, com a sua intencionalíssima exortação conclusiva, quer atingir o cerne do ser e, enfim, cumprir a sua alta missão de poesia que, conjugando admiravelmente a inalterabilidade do verso com a inesgotabilidade da imagem e a vertical profundidade de um pensamento radicalmente transgressor porque corajosamente  contraideológico,  como  diria  o  semiólogo  português Salvato Trigo: “perfurando o hímen da palavra, produz o gozo estético da expressão”.

Migramos do cais da polimórfica canção do beco e desembarcamos, uma vez mais, no porto do sagrado, em cujo espaço destituído da indiferenciação homogeneizadora de valores e percepções, de acordo com as  postulações  conceituais  de  Mircea  Eliade,  emerge,  triunfalmente, O Retorno da Aura, protagonizado por Luís Augusto Cassas, não na busca modista e ridiculamente burguesa das paisagens exteriores e macrocósmicas, precário roteiro que às vezes nem consegue disfarçar, como diria Caetano Veloso, a condição de avesso, de avesso, de avesso do velho consumismo estéril, em cujas águas turvas a cidadania e o cultivo da subjetividade são tragados pelas demoníacas engrenagens da ilusão.

A aura, recuperada  por  Luís  Augusto  Cassas  na  encantatória magia verbal do seu febril e incontrolável imaginário poético, não está situada em Jerusalém, Meca, ou qualquer outra mítico-mística geografia planetária, mas sim na difícil odisseia de volta do ser humano para dentro de si mesmo; no exigente pacto ético de polimento do próprio coração, para que ele, enfim, translúcido como um espelho, converta-se num palco sereno em que a vida possa desabrochar com a força soberana de sua celebratória plenitude.

Promovendo a interpenetração dos contrários e,  mais  que  isso, desconstruindo falsos dualismos, a poética de Luís Augusto Cassas, “aos pés do cosmos”, faz contracenar, na mesma tessitura sígnica, o sagrado e o profano, face e contraface de um mesmo espetáculo humano, ancestral e jovem, sórdido e sublime, vulgar e solene, em cujo âmago nada há de novo sobre o solo, senão o ingente percurso da busca e a alucinante procura da aura, entre outras coisas, “ora escurecida na perda do amor pelo prazer, ora vilipendiada pelo elogio do ressentimento em lugar do perdão, ora obscurecida pela cobiça em vez do desapego e fragmentada pelas ideologias de falsos profetas e poetas”.

Na poética de Luís Augusto Cassas, penalizado qualquer ludismo gratuito e inconsequente; repelido qualquer retoricismo vazio e esteticamente inconsistente, porque desprovido da verdade humana essencial, atributo inafastável de qualquer obra de arte que se preza, há uma alta e assumida consciência de missão ética, para além de qualquer filigrana de ordem estilística ou propriamente genológica.
É que, radicalizando as relações entre a vida e a arte, como fizeram  os  arautos  da  desreprimida  poética  romântica com a  excentricidade contracultural dos seus profetas, loucos, visionários e dândis, Luís Augusto Cassas,  trazendo  no  peito  o  fogo  que Prometeu roubou dos deuses e doou aos homens, num visceral  gesto  de comprometimento com a liberdade, compreende a poesia como a mais revolucionária de todas  as  artes,  daí,  “entre um corpo  e  outro  corpo,  entre um espírito  e outro espírito, o poeta, que cultiva a humildade não com devoção, mas com  drummondiano  constrangimento,  e  que  nasceu  em  São  Luís  do Maranhão onde, segundo ele, o vento faz a curva e a ilha é a parada final de urubus e aviões”, bradar, com a força inexpugnável das suas convicções  ético-estético-existenciais,  as  jupiterianas  verdades  do  seu  credo e apostolado transdialético e transpoético. No limite, mais que divino, porque humano, demasiadamente humano. 

Do Retorno da Aura, e das suas fecundas transmutações e alquimias densamente transfiguradoras, rumamos, com os olhos embriagados de imagens e a alma encharcada de poesia por todos os lados, para o mais que envolvente território da paixão e sua indisciplinada liturgia, em cujo epicentro, o amor a Deus, à vida, a si mesmo, à mulher amada; enfim, a tudo o que integra o vasto da existência, paira, soberano, como a mola propulsora da vida em suas plurifacetadas dimensões.

Precedida paratextualmente de um luminoso prefácio, a liturgia passional a que Luís Augusto Cassas se entrega com a ostensivamente visível volúpia  dos  santos  e  dos  místicos,  nada  tem  de  idealista  nem de  ingênua;  antes,  tem  a  consciência  nítida  dos  interditos  que  intentam obstaculizar a transmanência do voo humano em busca da plenitude, mas, mesmo assim, se nutre do desejo maior, único pastor de sua humano-divina ascese, que é, nas asas e nas garras do amor, “descobrir o paradoxo de todos os mistérios e desnudar o paradoxo de todos os fracassos”.

A Liturgia da Paixão, cartografada multidirecionalmente por Luís Augusto Cassas, para além das sombras que a espreitam e contra ela  conspiram,  renova  a  profissão  de  fé  no  homem  e, mais  que isso,  faz do espírito o esconderijo mais privilegiado da esperança; e, da  esperança,  o  antídoto mais  seguro  contra  os  volumosos  caudais de desespero que ameaçam subjugar não somente a arte, mas a todo e qualquer projeto civilizatório gestado nos incertos tempos do aqui e do agora, nos arraiais da pós-modernidade relativizadora de tudo e de todos.

O amor, orficamente celebrado por Luís Augusto Cassas, recusa as bem arquitetadas algaravias de inúteis e desnecessariamente complexas elucubrações mentais, para ser flagrado, com a conspiração de todos os sentidos, no “centro da folha branca”, onde o mistério luminoso da poesia, com a sua insaciável fome e sede de infinito, paradoxalmente se desentranha das mais prosaicas e aparentemente desimportantes cenas do cotidiano.

Temos, como exemplo, a matemática caseira do lavar os pratos, o diálogo com as formigas, o brincar com as crianças, a alface que se prepara para a salada e, por fim, o bom-dia dado à mangueira, gestos que, lembrando um pouco a objetivista poética caeiriana, conferem ao caleidoscópico olhar do poeta maranhense a nitidez e primitividade de quem, litúrgica e permanentemente posto em estésico estado de  paixão  e  êxtase,  quer  recuperar  o mundo em sua  (im)possível  e  virginal intocabilidade e, mais que isso, com ele, nas asas de acendrada paixão litúrgica, assinar, racional e intuitivamente, um pacto de perene e poética comunhão.

Na apaixonada liturgia amorosa protagonizada por Luís Augusto Cassas,  há também espaço  para  a  corrosiva  e afiada  “faca só lâmina” de uma lírica que não suporta a teatralidade inautêntica de uma Alta Sociedade que tem nas atitudes postiças e no culto espúrio à cartografia dos simulacros o seu paradigma comportamental predileto.

A amorosa e passional liturgia inventada por Luís Augusto Cassas, ao mesmo tempo que propõe a comunhão universal de tudo com todos, reconhece, com pungente consciência, que o roteiro traçado para a convivência do eu com o outro é espaço do atrito que fere, do conflito que esmaga e da fratura que mata.

Sabe também, com Eduardo Portella, que, se, por um lado, “somos um ser para o outro e fora do diálogo o que existe é o precipício”; por outro, não ignora que a verdadeira “coroa de espinhos é amar o  próximo ainda  que  distante”,  daí  a  cortante  e  paródica  sentença final  da pungente oração do Poema da Vã Glória ou Da Glória Vã: “Crucifica o próximo / Senhor / Crucifica-me junto com o outro / pra ver se o suporto no paraíso”.

Promovendo magistralmente o acumpliciamento dos contrários e a fusão dos mais aparentemente inconciliáveis paradoxos, a liturgia passional de Luís Augusto Cassas celebra ardentemente o amor e, mais que isso, busca, através dele, restaurar a primitiva unidade de todas as coisas.

Da Liturgia da Paixão transportamo-nos para uma Ópera Barroca, na qual, transitando do escárnio para o maldizer, numa espécie de revivescência moderna da jocosa, não raro escrachada, poética contestatória dos  trovadores  medievais,  Luís Augusto Cassas, ancorando-se no hegemônico motivo da cidade, centralíssimo nas poéticas da contemporaneidade, canta,  às  avessas,  a  Ilha  de São Luís, pondo em evidência, numa mesma cena lírica, ora as suas grandezas, ora o  caráter predatório de uma traumaticamente asfixiante modernidade, em cujo estuário, para usar a expressão adotada por Marshall Berman em seu fecundo ensaísmo, “tudo o que é sólido desmancha no ar”, nada ficando de pé diante da voragem impiedosa do progresso, seja o “ciclo do algodão, ciclo do barão, ciclo da jaca, ciclo da mulata, ciclo dos coronéis, ciclo dos cartéis, ciclo do boi, ciclo do já foi”.
Aqui, nas asas da vigorosa denúncia social que esses versos encerram, a  lacerada  e  impotentemente  cultivada  memória  do  passado  é  esmagada  pelo  fraturado  e  intranscendente  tempo  presente,  tornando-se incertos todos os horizontes de expectativas de um futuro, mais que desconhecido, ameaçador, já que, cindida ao meio, a cidade, dolorosamente  cantada  pelo  poeta,  é  uma  clivada  partitura,  cujas  notas musicais mais significativas jamais se harmonizarão.

Uma é a nostalgia impotente do que se foi; a outra, a inalcançável utopia do que nunca vai ser, a “ruína barbárie / de uma acareação em série / redundará às duas / uma procissão de cáries / uma está entrevada até os ossos / a outra tem penhoradas as veias do pescoço / uma quer exílio / a outra, auxílio / mas na embaixada do meu peito / meu coração em beleza / põe mesa e lhes dá asilo”.

Exilados ambos, o poeta e a sua cidade, natural extensão das suas vivências íntimas, só lhes resta, ao desolado poeta e à arruinada cidade, o asilo da poesia, coreografado pela força escarninha do seu debochado ritmo e aquecido pelo fogo purificador da sua virulenta e cortante tessitura imagística.

Da Ópera Barroca e o seu dramático jogo de contrastes, seguimos para O Shopping de Deus.  Lá encontramos não somente a alma do negócio como também a imagem mais irretocável do multifário e tumultuado espírito da modernidade, dividido entre a hóstia e o cartão de crédito; entre a fé avulsa e a razão convulsa; entre o céu e o inferno de cada eternidade feita sobre os escombros fugazes de cada epifânico instante.

Discordo da afirmação do ensaísta Marcelo Coelho quando ressalta  que  na  obra  poética  de  Luís  Augusto  Cassas  tenha  havido  uma fase marcadamente religiosa, da qual o Retorno da Aura e Liturgia da Paixão pontificam como momentos culminantes, a que se seguiria um mergulho mais vertical na materialidade do mundo, acerca do qual esse inquietante O Shopping de Deus se corporificaria como a onda mais efetiva.

Não. O conceito de fase, pelo que implica de estanque e estacionário, me parece absolutamente incompatível com a poliédrica cartografia  de um imaginário  poético  deslizante  que  parece  estar,  desde  o primeiro  verso  produzido,  celebrando  ou  querendo  celebrar,  contra todas as interdições inerentes à nossa congênita falibilidade, uma, reiteremos, epistemologia abarcadora de todas as dimensões da realidade, “matrimônio e litania dos opostos”, somente para usar duas belas imagens mobilizadas pelo poeta maranhense.

Pluridimensional e portadora, isto  sim,  de  múltiplas  faces  que coexistem  simultaneamente  na  tessitura  plural  de  uma  vasta  e  complexa identidade poética que, no limite, chega a lembrar o heteronímico projeto estético idealizado por Fernando Pessoa, Luís Augusto Cassas, tanto quanto o genial poeta português, parece querer “deixar ao cego e ao surdo a alma com fronteiras, para sentir tudo de todas as maneiras”.

Por essa razão, também discordo frontalmente das leituras setorizadas que insistem em reduzir O Shopping de Deus, inventado pelo mercador  das  palavras,  Luís  Augusto  Cassas,  ao  unidimensionalismo redutor da mera denúncia social das narcotizantes engrenagens do consumismo, do qual o shopping, imantado por sedutora aura, funcionaria como clausura predileta, templo primordial e porta-voz oficial da sua irresistível propaganda.

Aliás,  contra  o  equivocado  lugar-comum em que  normalmente claudica a crítica das obsessivas sondagens do conteúdo, desatenta aos negaceios e malandragens da forma e dos subterrâneos simbólicos do texto, ainda que tal separação obedeça apenas às travessias do recorte didático, o próprio eu-lírico multifacetado do abrangente sistema poético engendrado por Luís Augusto Cassas afirma, em acendrada postura metalinguística, “Se alguém disser / que é a favor do espírito / mas contra a matéria / não me compreendeu: / quem não está comigo / não está nem consigo”.

A angústia na poesia de Luís Augusto Cassas, nem sei bem se esse é o termo adequado, nada tem do desolado niilismo imanente a significativas  parcelas  da  lírica presentificada nos decantados tempos pós-modernos, nem muito menos se organiza em torno do surrado mote segundo o qual a nossa era prioriza a matéria em detrimento do espírito.

Nada disso. O desconforto estético-ético-religioso-metafísico-lógico- ontológico, que recobre todas as camadas afetivas da expressão poética do notável poeta maranhense e lhe empresta um tom e dicção originalíssimos em nossa plurifacetada lírica contemporânea, em cujo estuário não falta nunca a celebradíssima esperança, provém  exatamente do fato de que a poesia e o homem, a arte e a ciência ainda não foram capazes de perceber que são faces indissociáveis de um mesmo projeto divino-humano que clama por total plenificação.

Prosseguindo nesse itinerário desbordante das revoltas águas da poesia, desembarcamos no híbrido e desconcertante santuário do Deus Mix, de cujo código bíblico, recriado paródica e palimpsestuosamente, emerge  uma  procissão  de  preces  que,  caleidoscopicamente,  uma  vez mais, consorcia o alto e o baixo, o solene e o trivial, a suma transcendência  e  a  mais  desauratizada  percepção  da  fenomenologia  humana. Tudo urdido e curtido por um refinado pathos humorístico e por uma extremamente risível alquimia verbal, mas que nada tem, que fique bem claro, do raquítico ludismo trocadilhesco em que se convertem certas escrituras  poéticas  da  contemporaneidade,  indigentes  de  imaginação, criatividade e, mais que isso, de um mínimo de verticalidade no processo, nem sempre fácil, de junção de fecundidade imagística e profundidade do pensamento.

No divertido humor presente na poética de Luís Augusto Cassas não falta a gravidade alegre da tonalidade de meditação existencial polimorficamente lançada sobre todos os desvãos e abismos que existem e compõem a multifacetada realidade humana.

Em  O Vampiro da Praia Grande,  revisitando  e  atualizando o mito do ser trevoso, que faz do sangue das suas vítimas a sua fonte basilar  de  sobrevivência,  Luís  Augusto  Cassas, fiel  ao  seu  caleidoscópico construto poético, transforma o cotidiano da Ilha de São Luís na matéria-prima do seu errante e debochado roteiro. Do texto da cidade à cidade vista como texto, a lírica do poeta, poética e transgressoramente, vai fiando e desfiando todos os tecidos de uma pólis prenhe de múltiplas significações.

Nesse patamar, a cidade é o cenário privilegiado de quem, ocultado  diplomaticamente em algum  sobrado  colonial  da  Praia  Grande, espreita corpos e almas, corações e mentes, de preferência, claro, uma descuidada  e  bem  nutrida  jugular.  Indiferente às celebrações orgiásticas de uma modernidade triunfante, porque triunfalista, o vampiro inventado por Luís Augusto Cassas, cômico-lírico-apocalíptico e sensual, posa para colunas sociais, toca sax para sex shops, estaciona nos semáforos, monta barraca na Praia Grande, numa atlética e trepidante peripécia pela sedutora pólis.

Instituindo o recorte parodístico, que desconstrói as culturas oficializadas e dessacraliza os vetores que lhe dão suporte, O Vampiro da Praia Grande é uma dentada certeira no convencionalismo e conformismo das literaturas puramente livrescas, destituídas do sangue vital de palavras que, quando bem combinadas, transfiguram e reinventam a vida. Quem duvidar, que exponha o seu pescoço ao vampiro da Praia Grande, e… boa leitura.

Em Nome do Filho sinaliza para mais uma aparição poética do originalíssimo construto textual do maranhense Luís Augusto Cassas, para quem a arte não pode ser diletantismo, nem a literatura mera pirotecnia verbal, cultura da inautenticidade para um mundo visceralmente enfermo.

Em Nome do Filho, décimo segundo livro de uma família poético-espiritual desconcertantemente diversificada, ancora num projeto mais amplo de há muito perseguido pelo poeta: a reconciliação de todos os opostos, a superação de todos os atritos, a comunhão de todas as almas, a irmanação de todos os  espíritos;  a  cura, enfim, do bicho homem, e a promoção da fraternidade universal, utopia ainda irrealizada e, pior que isso, distante.

Aqui, nesse viés, marcado por inocultável ânsia de participação comunitária, a poética de Luís Augusto Cassas se matiza de indisfarçável feição social. Mas de um social que, pejado de vigorosa ancestralidade romântica, nasce antes no coração que na mente, fruto agônico da unidade que a tudo preside; e que o poeta, obsessivamente, persegue.

Em Nome do Filho, transido entre a força dos interditos e a fúria das transgressões, parece ratificar a crença de que o homem é, acima de tudo, possibilidade de superação e capacidade de transcendência. Essa tensão entre o ser e o devir, entre o já e o ainda não, cristaliza-se a partir da própria capa do livro, em cuja tessitura iconográfica 1 agramos um nítido jogo de intencionalidades poéticas. À imponência arcaica do templo se contrapõe à perplexidade de um olhar carente de um horizonte de expectativas mais promissoras.

O livro nasce sob a égide da profecia que o anjo das ruínas faz, em tonalidade densamente solene, recair sobre a cidade de São Luís, que preserva a arquitetura de monumentos históricos e, de acordo com a cosmovisão do autor, condena às trevas da fome e desassistência completa a infância, essa espécie de passado rasurado, presente  incerto  e futuro eternamente adiado.

Mas, advirta-se logo, o novo paideuma poético trabalhado e retrabalhado por Luís Augusto Cassas, com a pressa do jornalista, a paciência do filósofo e o inarredável fervor dos místicos, nada tem de inflexibilidade doutrinária ou sectarização ideológica; antes, nutre-se da mais acendrada liberdade, sempre pródiga em descartar-se do já atingido e voar à procura de novas e incertas utopias. Eis o seu credo, evangelho, testamento e saga; saga de um pássaro feito do azul do  infinito  e  da chama ardente da poesia.

Ser da distância, do ainda-não e do futuro”, consoante a lúcida percepção de Marco Lucchesi, Luís Augusto Cassas ratifica a profissão de fé na literatura e, desse modo, nos convida a dizer: “Bendito o que vem em nome da poesia”.

Chegamos, pois, ao território mítico-sacral do Evangelho dos Peixes para a Ceia de Aquário. Mesmo numa leitura despretensiosa e desprovida de maior verticalidade hermenêutica, constatamos que este livro ancora-se, diria mesmo obsessivamente, no recorrente motivo da água, com todas as implicações decorrentes do seu ostensivamente fecundo simbolismo. Simbolismo que, em meio a outras inúmeras possibilidades conceituais, se nucleariza, fundamentalmente, em torno de três temários básicos: a água como fonte originária de toda vida; instrumento primacial de ascese e purificação do ser; e, por fim, centro regenerador de tudo.

Na poética postulada por Luís Augusto Cassas, a água, tematizada e, mais que isso, transformada em valor primevo da existência, vai, à luz das transfigurações estéticas que lhe impõe o poeta, transitando por todos esses domínios, mesclando-se a outros que o imaginário do poeta urde e convoca para a reinvenção lírica da sua multiforme experiência humana e estética.

Dessas  três  instâncias  por  onde  a  água  agencia  o  seu  itinerário de viscerais transformações, fixamo-nos naquela que, em nosso modo de entender, emblematiza, mais efetivamente, a libertária mundividência do poeta maranhense: a que propõe a ascese e a purificação do ser humano no palco rasurado da sua sempre problemática peripécia histórica.

A poética de Luís Augusto Cassas, desde a sua arqueologia originária até as súmulas filosóficas presentes em suas profissões de fé mais recentes, sempre perseguiu, holisticamente, uma utópica unidade da condição humana, bem para além das duvidosas e contraproducentes fragmentações, sempre reducionistas e, pior que isso, incapazes de pensar e apreender o homem em sua fascinante e profunda complexidade.

As águas que inundam o credo deste evangelho e dão o molho a esta profética ceia de um amanhã em que o poeta acredita e que certamente há de brotar, apesar das interdições de um hoje resistente, falam de Deus e da poesia, face e contraface de uma percepção totalizadora dos fenômenos; do cósmico silêncio e dos gritos que ecoam pelas praças e pelas consciências; do profano e do sagrado; do corpóreo e do etéreo; da morte e da vida; da quietude e da celebração; enfim, da vasta e tenebrosa unidade de tudo o que temos e somos.

Eis-nos  nas  bordas  de  um  mistério  insistentemente  inquirido pelas revoltas águas da transdialética poesia que o poeta constrói, consumando-se e consumindo-se. Mesmo sem querermos revalidar a surrada tese de que a literatura é vida, e a arte é documento mimético do real,  postulados em tudo conflitantes com a  autonomização  do  texto artístico  defendida  por Lotman, não  há  negar  que  a  travessia  poética empreendida  por  Luís  Augusto  Cassas  parece  querer  instaurar,  nos (des)limites da palavra trabalhada, uma espécie de intransigente compromisso ético com um projeto mais amplo de transformação social; aquele que propiciaria ao homem um reencontro consigo mesmo, com a natureza e com o outro, resgatando-se, desta forma, a essencialidade de um genuíno diálogo, fora do qual o que existe é o precipício, consoante a lúcida assertiva do mestre da crítica literária de base ontológico-hermenêutica, Eduardo Portella.

Poderíamos ainda enveredar pelo código amoroso, pelas sendas da compaixão, ou, quem sabe, pelo apego telúrico que ratifica as indeslindáveis vinculações do poeta ao seu povo e à sua terra: o homem e as suas inescapáveis circunstâncias, no eterno dizer de Ortega Y Gasset. Basta-nos,  entretanto,  constatarmos  que,  no  evangelho  pregado  por Cassas, e na ceia por ele servida com a paixão da linguagem e o molho das palavras, como diria Adélia Prado: “A poesia, a mais íntima, é serva da esperança”.

Eis-nos, pois, no mítico território de O Filho Pródigo: Um Poema de Luz e Sombra, em cujo estuário, dialetizando o voo da luz e o abismo das sombras, Luís Augusto Cassas, a partir da fundante figura do seu pai, já falecido, realiza uma dolorida e verdadeiramente poética arqueológica da sua alma, tecida e destecida nos porões mais indevassáveis da saga familiar, lá onde, desde a nossa fecundação no útero materno, passando pelas tessituras lúdicas da infância, até o desembocar no crepúsculo da existência, a velhice, a flertar com a morte, todos os fios da nossa existência se vão compondo definitivamente, para o bem e para o mal.

Livro maduro, ancorado em tonalidade ostensivamente solene, ora  celebratória,  ora  elegíaca,  O  Filho  Pródigo,  precedido  por  vasta rede de bem construídos diálogos intertextuais, promove, com visceral e angustiante sinceridade, uma espécie de acerto de contas que Cassas faz consigo mesmo, com sua origem, história e destino; nuclearizada, toda essa densa épica do ser, pela dominante figura do seu pai, erguida, agora, à condição arquetípica de um símbolo existencial a acompanhar o poeta pela vida afora, com a luz e a sombra de que é feita a sórdida e sublime matéria de todos nós.

A paradigmática imagem do pai, transfigurada de forma multidirecional na  lírica  brasileira  contemporânea,  reencontra  na  originalíssima dicção de Luís Augusto Cassas um singular e pungente tratamento. Antes dele, outras vozes do imaginário poético nacional, a exemplo de José Paulo Paes, Ledo Ivo, Carlos Drummond de Andrade, realizaram escavações existenciais portadoras de raro viés verticalizador.

Luís Augusto Cassas, assim, prolonga, radicalizando, esse verdadeiro leitmotiv de nossas cogitações líricas mais recorrentes. E o faz com rara competência, sabendo, como poucos, consorciar destreza no musicalíssimo manusear das palavras, a elas servindo e não delas se servindo, como teoriza Jean-Paul Sartre, a uma mundividência rica de místicas e catárticas ressonâncias. Como se da tragédia da vida obnubilada pela morte emergisse, com as imorredouras tintas da esperança, a utopia da transcendência, a crença na vida que ultrapassa a laje fria da sepultura, a certeza do cósmico e ansiado retorno à Casa do Pai.

Recorrendo à originária saga bíblica, damo-nos conta de que é bifronte o itinerário de sombra e luz traçado pelo Filho Pródigo. Ele, inicialmente, se autoexila do casulo paterno para, depois de traumática peregrinação espiritual e dramático desfrute da liberdade, retornar, reconciliado, à pátria das suas origens. Aqui, o distanciamento do sujeito funciona como senha que lhe propicia uma compreensão mais holística, tanto de si mesmo quanto da realidade que o cerca.

Parece rumar na mesma direção o movimento empreendido por Luís Augusto Cassas na cartografia poética por ele engendrada. Com Otto Maria Carpeaux, aprendemos que “a distância  falsifica  inteiramente a perspectiva”. O poema de Luís Augusto Cassas vinca esse distanciamento, subjacente ao qual residem as possibilidades hermenêuticas mais efetivas de compreensão do seu passado, presente e futuro, como se, mirando-se no espelho da sua progênie, pudesse o poeta, junguianamente, desvendar as faces e contrafaces do inconsciente coletivo mais profundo.

Organizando-se,  tridimensionalmente,  em  torno  de  vigorosos núcleos  ideativos,  fascinantes  incursionamentos pela  seara das  imagens e acendrados mergulhos nos oceanos da musicalidade, para nos reportarmos às reflexões empreendidas por Ezra Pound em seu ABC da Literatura, O Filho Pródigo, promovendo o reencontro de Ulisses e Telêmaco, de acordo  com a acertada assertiva de Marco Lucchesi, se impõe como um dos pontos mais altos da poética de Luís Augusto  Cassas.

Embora  seja  o  oitavo  livro  de  poemas  de  Luís  Augusto  Cassas, deixamos para discorrer sobre Titanic-Boulogne — A Canção de Ana e Antônio — na parte final do nosso ensaio, em virtude do fato de estar ele centrado na temática amorosa, a mesma que nucleariza A Mulher que  Matou  Ana  Paula  Usher,  penúltimo  livro  da  saga  poética  que, competentemente, Cassas vem construindo ao longo de quase três ininterruptas décadas de criação literária.

Titanic-Boulogne — A Canção de Ana e Antônio é um delicioso livro, no qual, pretextando recontar a desencantada história amorosa vivida pelo poeta Gonçalves Dias e Ana Amélia Vale, história essa interditada por preconceitos de motivação racial, Luís Augusto Cassas, na verdade, promove uma espécie de “biografia afetiva de todos os amores inconclusos”.

Alargando o compasso do drama amoroso vivenciado por Gonçalves Dias, e esculpido em alguns dos seus mais comoventes poemas, Cassas é como se ocultasse nas malhas da diegese lírico-dramática que inventou  e,  ato  contínuo,  cede  espaços  para  que  outras  vozes,  igualmente às voltas com os fascínios e abismos do amor, se ergam em sua poemática eivada de inescondível recorte intertextual.

Com Julia  Kristeva  aprendemos  que  “o  texto  literário  é  um mosaico de citações”, por onde múltiplos textos se cruzam e recruzam numa  espiral  semiótica  in+ nita.  Titanic-Boulogne —  A  Canção  de Ana e Antônio promove este intercâmbio textual  de forma explícita, numa dialogicidade fecunda que ilumina e  se ilumina com o onipresente temário amoroso.

O poema  já  se  inicia  sob  a  égide  da  retomada  de  um  verso de Castro Alves, mais  precisamente  o  que  abre  o  grandioso Navio Negreiro — Tragédia no Mar. No cartão de embarque da longa viagem empreendida pelos poetas Gonçalves Dias, Cassas, e por  todos os que são tocados pelo trágico milagre do amor, “estamos em pleno mar”. No mar das paixões, no mar das palavras, no mar da história, no mar das idealizações sonhadas, no mar dos sonhos vividos, no mar dos desejos negados, no mar dos prazeres proibidos, no mar da poesia. Poesia essa que tem o dom de eternizar o instante e, ao fazê-lo, garantir um fiapo de esperança, aquilo que Goethe chamava de “promessa de felicidade”.

Talvez seja essa a razão que levou o poeta maranhense a colocar um tom de esperança em meio ao caos gerado pelos naufrágios amorosos. É assim que leio a estrofe final do poema com que se inicia a bela travessia marítimo-amorosa empreendida por Luís Augusto Cassas:
Mas não esqueçam a água
do inconsciente coletivo:
viver não é morrer de mágoa.
Favor: não afoguem o livro”.

Assim fazendo, Cassas transcende o que poderia à primeira vista parecer uma poética elegíaca e flagra no amor, pesar dos seus desconcertos, a única fonte capaz de conferir ao homem a tão sonhada plenitude existencial.  Outros intertextos comparecem ao livro.  De um verso de uma canção da Bossa Nova a poemas de Carlos Drummond de Andrade. Do perdido paraíso de Milton a alusões a Dante. E tudo, vale salientar, temperado com os finos ingredientes de um humor que ancora o livro no território da mais acendrada modernidade.

Titanic-Boulogne conta não apenas a desafortunada história de amor de Gonçalves Dias e Ana Amélia. Dir-se-ia que ele narra a história do próprio amor, esse mistério da alma que paralisa e impulsiona, que “alenta e consome / que é vida e que a vida destrói”, no dizer romântico de Almeida Garrett. Narrativa poética atemporal, a de Cassas faz passado e presente contracenarem nas asas da beleza da poesia e da força do amor.

Em  A Mulher que Matou Ana Paula Usher,  depois  dos  arrazoados  de  Paulo  Urban,  Amnéris  Ângela  Maroni  e  Marco  Lucchesi, verticalíssimos todos, só me resta dizer que, aqui, nessa saga narrativa mítico-agônica,  o  poeta  maranhense  revive,  nos  abismos  da  odisseia amorosa, o mistério da aventura humana, com as suas luzes e sombras, paixão e vertigem. E o faz de forma desassombrada, sem temer os avessos da empreitada, descendo ao chão da mais humílima dor, a fim de subir ao céu do mais transcendente deleite.

Nesse poema-romance, vida/morte dialetizam-se, face e contra-face da  ancestral  peripécia  humana  nos  degradados  palcos  da  história. Já Roman Jakobson, no alvorecer do século vinte recém-transato, quando a crítica formalista travava suas primeiras lutas contra as leituras extratextualistas então vigentes, afirmou que a literatura não vale pelo que diz, mas sim pela forma como o diz.

Cassas parece reatualizar, admiravelmente, esse clássico  postulado jakobsiano, ao enfrentar, matizando com novas e alquímicas colorações, o velhíssimo e sempre jovial temário amoroso. O amor, sabe-se bem, tem se constituído em verdadeiro leitmotiv das cogitações literárias  de  poetas, ficcionistas,  dramaturgos,  de  tantos  quantos  fazem  da palavra o seu privilegiado instrumento de transfiguração do cotidiano.

Na poética empreendida por Cassas, em A Mulher que MatouAna Paula Usher,  o  amor  é  encarado  em  perspectiva  totalizadora  e matizado  pela  presença  de  todos  os  contrários  possíveis.  Amor que a tormenta e pacifica, enclausura e liberta; sinal de carência e indício de plenitude. Amor que transcende o fogo primevo da carnadura erótica ou mesmo o milagre do afeto que circunda as abismais regiões da alma, para atingir um plano espiritual mais alto e indevassável. É o instante em que, em acendrada postura confessional, o eu lírico confessa: “Tenho a nostalgia do todo / e a melancolia da parte”.

Eis, aqui, o etymon da perquiridora poesia de Luís Augusto Cassas. A direção  da  sua  obsessiva  busca. O indisfarçável sentido da sua transdialética utopia. Noite escura da alma, lâmpada acesa do espírito, o amor, cantado por Cassas, é exorcismo de fantasmas e voo em direção ao infinito desejo de plenitude, que conduzimos  dentro  de  nós, pesar dos negrumes da existência e das múltiplas formas de interdição sedimentadas  pelo  rasurado  tecido  da  história.  Para além da inevitável finitude que perpassa todas as experiências amorosas, Cassas parece querer celebrar, também, a delícia infinita do amor, seus momentos de realização e sua força de abertura que ele enseja para uma compreensão totalizadora da trajetória humana.

Bacuri Sushi — A Estética do Calor dá sequência ao itinerário multiforme que a poesia de Luís Augusto Cassas vem desenhando no mapa poliédrico da lírica brasileira da contemporaneidade. Barroquista e solar, apaixonado e irônico, transgressor e solene, aqui, Cassas, mais uma vez, percorre, tal qual requintado flanêur, todas as geografias da Ilha de São Luís, delas recolhendo cheiros, tons, gestos, palavras e silêncios, ingredientes com os quais, com o molho da linguagem e o tempero da poesia, assina, definitivamente, o seu nome no desbordante território da poesia brasileira.

Hino de amor à poesia e ao povo do Maranhão, Bacuri Sushi — A Estética do Calor reinsere o poeta na tessitura íntima da cidade, seus becos, praças, feiras, mercados, templos, gritos, silêncios, sua alma profunda, seu espírito mítico e indevassável. Credo, evangelho, profissão de  fé,  Bacuri Sushi — A Estética do Calor  é um poema-cidade,  é  a cidade vista como poema. E, nela, eis a alma do poeta consumindo-se, ensolarada.

Poemas para Iluminar o Trópico de Câncer, produção mais recente do poeta Luís Augusto Cassas, não deve ter sido um livro fácil de ser redigido. Como, de igual modo, não é um livro fácil de ser lido. Como  toda  obra  de  arte  digna  dessa  categorização,  guarda,  em  suas entranhas, o mágico sopro da vida; e aquilo que, com invulgar lucidez, Camões, em sua pluridimensional lírica, chamou de um conhecimento que nasce no solo concreto das vivências reais.

Repelidas a mera engenhosidade laboratorial e as literaturas descarnadas e livrescas, sobre as quais tão bem se pronunciou o Lima Barreto de O Destino da Literatura, o que avulta, nesse pungente livro, é uma autenticidade confessional raras vezes vista no campo da expressão literária.

Desnudado diante dos imponderáveis da vida, dos quais ninguém se pode eximir, o poeta transfigura, sem pieguismo ou sentimentalidade menor, um drama existencial que se abateu sobre ele; e o transforma em matéria poética dotada de profunda beleza estética e vasto interesse humano.

Flagro, de pronto, no estuário desses Poemas para Iluminar o Trópico de Câncer, dentre outras, duas dicções, que me parecem nucleares para a configuração da mundividência ostentada pelo livro. A primeira delas marca-se, a meu ver, por uma ostensiva tonalidade de resistência ao infortúnio e, ato contínuo, por uma recusa a demitir-se da vida, capitulando diante das tragédias que elas abrigam em sua estranha essência.

Sabendo,  decerto,  que  “grande  diferença faz/ entre lutar com as mãos/ e abandoná-las pra trás”, fala do mestre carpina ao Severino retirante,  no  belo  e  comovente  Morte e Vida Severina — Auto de Natal Pernambucano, de João Cabral de Melo Neto, Cassas, nesse corajoso e denso livro, entoa, por um lado, um canto de resistência aos descaminhos da existência, e, por outro, assina um digno protocolo de intenções com a esperança.

Ratificando os vetores da solaridade poetica que lhe imanta toda a obra, Cassas instaura sua travessia sob a égide bifronte dos signos da luz (eternidade) e do sopro (efemeridade), isotopias semióticas que regem a oferenda com a qual, liturgicamente, ele oferta, oferecendo, uma vida o tempo todo transfigurada pelo fogo poético.

É aqui, neste instante paroxístico da existência em que o tempo e a eternidade parecem compor um indistinguível jogo especular, que a poesia de Cassas, sempre tão densamente matizada pelo voluptuoso halo da transcendência, em tudo flagrada, mais se refina e espiritualiza, como podemos constatar, exemplarmente, nas epígrafes de que ele se vale em seus funcionalíssimos diálogos intertextuais.

Se o texto literário, retomando o lúcido dizer de Julia Kristeva, “é um mosaico de citações, um modo como o texto lê a historia e é por ela atravessado”, a poética de Cassas, presente em seus Poemas para Iluminar o Trópico de Câncer, ratifica esse dialogismo semiótico, ancorando no privilegiado porto dos incursionamentos transcendentes.

É quando o poeta, guiado solenemente por aqueles a quem classifica  como  Mestres  do  Jardim,  é  conduzido  “à  prece  e  meditação/ abrindo-me os pesados trincos/ dos jardins da compaixão”. A compaixão, tão recorrentemente perseguida pelo poeta, não é conquista fácil do espírito, mas sim o ponto final de uma travessia do ser, que tem na porta estreita do evangelho cristológico a sua meta de chegada e o seu alvo de partida para mais novos e arrebatadores voos da alma em direção ao infinito de todas as suas possibilidades.

Rumi, Hegel, Davi são outros  personagens  que  Cassas  convoca em seu espólio poético, e com os quais ele interage em sua fascinante e dramática viagem, cujo espaço percorrido é menos o das geografias físicas do que o seu próprio universo interior, céu e abismo do seu ir e vir ao coração misterioso da existência.

Nesse itinerário, o poeta se depara como “o abismo no corpo/ o vento no rosto/ o inverno nos ossos/ ao fundo do poço/ do grande vazio/ onde rompem-se os véus/ o fundo do nada/ nos braços de Deus”.

É, enfim, nos braços de Deus que o poeta anela atravessar o que os místicos chamam de “a noite escura da alma”.  Livro forte, denso, confessional,  autobiográfico  e,  ao  mesmo  tempo,  universal  pelo  que ostenta de comovente humanidade, os Poemas para Iluminar o Trópico de Câncer descem, fundo, ao  cerne  essencial  da  bifronte condição humana: vocacionada para a eternidade e, diria Ledo Ivo, “sujeita à injúria de tornar-se pó”.

Desse livro, eivado de  impressionante  sinceridade,  sai  o  poeta “com olhos de epifania”,  certo  de  que  “só se realiza o ser/ quando o amor vence o poder/ em todas as hierarquias”. Reitere-se, pois, à guisa de  conclusão,  que,  aqui,  Cassas  não  ergue um muro de  lamentações, nem muito  menos compõe, com a  música  da  melancolia, um cantochão elegiaco diante do que se lhe a figura, e a todos nós, o inesperado, o surpreendente, o antialumbramento.

Não. O poeta, como o Nicodemos que espreita o Cristo nas sombras agudas de uma vívida noite palestina, admite que pode nascer de novo, com a semente da fé, a água da purificação, o tesouro da ciência e a vulcânica força da poesia. No limite, a arte poética é encarada como fonte suprema  de  consolação;  morada  definitiva  de  todas  as  utopias possíveis; habitação do ser; e, por fim, inviolável reduto do último ideal a ser perseguido pelo homem no interior de uma civilização irresistivelmente matizada pelo sentimento da crise.

Em síntese, dir-se-ia que este livro de Cassas, imantado pela ostensiva presença da função catártica da literatura, revive, reafirmando, os esperançosos vetores de quem, conforme o emblemático título de um livro do poeta Tiago de Melo, sabe que “faz escuro, mas eu canto, porque a manhã vai chegar”. Cassas, como nos famosos versos de Cecília Meireles, canta “porque o momento existe/ e minha vida está completa/ não sou alegre nem sou triste/ sou poeta”.

Poeta que, em Tao à Milanesa, antenado com a melhor cosmovisão da pós-modernidade, mescla várias  dicções,  ratificando,  desse modo, assumidos processos de hibridização estilística. Ancorada, hegemonicamente, no motivo do caminho, enquanto vetor semântico densamente significativo na configuração da diegese lírica, Tao à Milanesa reúne, na diversificada coleção de poemas que exibe, as mais diferentes temáticas, como se o eu-lírico que percorre o mundo em sua desconcertante totalidade, portasse uma câmera capaz de flagrar todas as cenas de um cotidiano prenhe de transcendência e cercado de epifanias por todos os lados.

A viagem, a meditação, a música, a palavra, o silêncio, a plenitude, o vazio, a  experiência,  a  regressão  ontogenética  do  eu  até  as  regiões assêmicas da completa inconsciência,  a  leitura,  a  ecologia,  a  beleza,  a ciência, a fé, a história, o cotidiano, o amor, e temários outros que se vão agenciando num texto marcado por acendrada ludicidade, tudo vai compondo a imagem de quem se  confessa portador de  “uma sede de viver que sangra/ e o trespassa com ígnea espada”.

Há também, nesse Tao à Milanesa, gastronomia poética servida, amorosamente, pelo poeta maranhense, a vertente metalinguística, que aciona,  na  esteira  das  postulações  de  Paul  Valéry,  a  alta  consciência artesanal de que se reveste o seu ato/processo de criação literária.

Mas, de pronto, advirta-se que a metapoesia a que aludimos nada tem a  ver  com  o  ramerrão  repetitivo,  não  raro  indigente,  de  certas aventuras  literárias  da  contemporaneidade.  Pensamos, aqui, o  auto-centramento da linguagem, naqueles sentido mais cultural e ideológico proposto por Alfredo Bosi em seu clássico livro O Ser e o Tempo da Poesia. Metalinguagem como canto de resistência do poético, tornado autista e condenado à solidão e à incomunicabilidade em nossos desventurados tempos.

Assim sendo, “a branca folha quieta/  é  meu  oráculo  predileto”, confere o poeta, convicto de que “deus fala através das penas/ as penas através dos temas/ os temas através dos poemas”. E, de igual modo, de que “a poesia / a poesia é a melhor psicoterapia”. Poesia que, conquanto seja, bandeirianamente, alumbramento, oferenda gratuita e achado súbito e quase inconsciente, é, também, luta com as palavras, negaceio, recusa, silêncio indomável e traumática indizibilidade.

No cardápio estético de  Cassas,  de que Tao à Milanesa  é  prato saboroso,  a  alegria  é  ração  diária  contra  o  tédio,  pílula  de sanidade e privilegiado antídoto contra as dores do mundo. Com afiado humor, não raro descambando para a tonalidade da sátira, Cassas investe também na crítica social; e no sinal de menos que põe em certos cacoetes intelectuais que não cessam de rondar as paisagens mais charmosas, e certas também, de nossa contemporaneidade.

O culto filosófico ao niilismo, por exemplo, é mostrado por Cassas como um lugar-comum, que, embora sempre alardeado com a força imperiosa das seduções sensacionalistas, já não comove ninguém. Discorrendo  sobre  o  filósofo  dinamarquês  Soeren  Kierkegaard,  France Sarago afirma que em sua obra “a reflexão intelectual é indissociável de uma atitude espiritual que se inscreve, ela mesma, em uma história privada,  não  comparável  a nenhuma outra, como acontece com todas  as existências humanas. Esta vida alimenta sua obra, e isto não nos permite fazer cortes em sua imensa mola, para dela isolar o aspecto propriamente filosófico  negligenciando  o  resto.  Seria  não  somente  uma  infidelidade imperdoável à pessoa que fala através da obra, a pessoa que se descobre no Diário Íntimo, tesouro inesgotável de reflexões e meditações, de facetas do espírito e orações, onde a sátira e o anedótico vivem lado a lado com a elevação mística ou a meditação filosófica”.

Tal aguda assertiva, cremos, pode ser aplicada ao universo poético de Luís Augusto Cassas, guardadas, evidentemente, as distinções existentes  entre  os  gêneros  discursivos em tela:  a filosofia  e  a  poesia. Contudo, o cerne conceitual é o mesmo. Na poesia de Cassas, não há espaço para formas meramente intelectualizadas; para um retoricismo muitas vezes vazio e carente do sabor da vida.

Não queremos, com isso, revalidar a vetusta tese de que literatura é espelho translúcido da vida. Ainda entendemos serem válidas as considerações levadas a cabo pelos formalistas russos no início do século recém-transato.  Mas  não  nos  agradam  os  meros  jogos  de  linguagem sem nenhuma conexão com o rio vital da existência e da realidade efetiva dos homens no palco concreto e impuro da história. Em Cassas, vida e obra dialetizam-se. Tao à Milanesa é mais um testemunho desse inseparável conúbio entre o humano e o estético.

Ezra Pound conceituou o fenômeno  poético  como  o  consórcio dialético entre a música, a imagem e a ideia, as quais, emulando no território concreto das palavras em estado de  transfiguração, reinventam o mundo,  com  especialidade aquele que o poeta  carrega dentro de  si, desde as suas mais míticas origens. Origens que, de pronto, remetem ao sagrado casulo da família, em cujo cenário a figura da mãe emerge como protagonista maior, energia primal que se irradia sobre  tudo  e  todos, caudalosa e  incontornável  fonte de  todos os afetos, ceia sagrada e pão transcendental que nos alimenta e constitui cada tecido do nosso ser.

Eis o fulcro temático indisfarçável da bela e comovente oferenda lírica que Luís Augusto Cassas constrói para, com ela, imortalizar, com a incendiada e passional força do seu verbo, a imagem da sua mãe, “o sol estrelado/ nas bandejas de café/ sobre as manhãs de linho branco/do ofertório do mundo”. Examinado detidamente, o poema de Luís Augusto Cassas se ergue, inicialmente, como um hino celebrado por uma memória que quer salvar das lajes frias do esquecimento um tempo mais fraterno, no  qual  os  almoços do domingo  em  família  se  convertiam  em raros banquetes de comunhão entre os que, assentados em torno de uma mesa, mais que a gastronomia farta, fartavam-se de alegria e de um amor visceralmente compartilhado, signo e motivo recorrente em todo o livro, única película de sanidade encontrada pelo poeta para um mundo em franco processo de estilhaçamento de todos os seus valores.

Ceia farta e sem nenhuma restrição aos muitos que dela se acercavam, Míriam, a mãe-mítica-matriarca-múltipla em seu incansável ser/ realizar no seio familiar, não hesitava em fazer “das tripas coração” para saciar os anelos dos que, saciados do pão material abundante, lhe reclamavam “ágape”. Ágape esse que se converte na senha primeva e seminal da configuração metafísica  do  sentido  da  vida  e  do  ser, sem o  qual  a existência debilita-se e queda-se, impotente, nas assemias do nada.

Mesclando múltiplas dicções, do coloquialismo mais acendrado à solenidade tonal dotada de fecundo simbolismo, o poema de Cassas é uma espécie de banquete afetivo celebrado com rara pungência, própria de quem, ancorado nos signos e códigos da alimentação, intertexto e discurso estranho da ficção,  anseia, com desespero  e  esperança,  estabelecer as pontes existenciais de reencontro com o paraíso perdido da infância, memória mítico-ancestral de todas as vivências do ser.

Aqui, do mesmo modo como já o fizera com o tocante O Filho Pródigo: um Poema de Luz e Sombra, Cassas nos dá uma arte poética emergida das nervuras essenciais do seu viver intenso, do seu “saber de experiências feito”, conforme a lapidar sentença do imortal verso camoniano, em tudo avesso à literatura livresca, muitas vezes tão engenhosa e laboratorial quanto desprovida do indispensável  sabor  de  vida, que todos  buscamos  na  coreografia  das  palavras  estabelecidas  no  polissêmico e simbólico território textual.

Se “a poesia é o coração desfeito em tiras”, de acordo com o comovente  dizer  do  grande  poeta  português  Antonio  Nobre,  em  A Ceia Sagrada de Míriam — Oferenda  Lírica,  Cassas  revela-nos,  sem  disfarces, o coração impregnado de um desmedido afeto por aquela que antevê como a “presença do eterno feminino em nós”. Música de reencontro, imagem de amor pluralmente revelado e confessional conceito de utopia mais perseguida, a da mãe com os seus incontornáveis mistérios, a oferenda lírica construída por Cassas, e protagonizada pela Ceia Sagrada  de  Míriam,  é  nostalgia  profunda  do  espírito,  presentificação perene do passado e memória definitiva daquilo que todos nós gostaríamos que fosse eterno: a mãe, sobretudo porque, com Carlos Drummond de Andrade aprendemos que “Mãe não tem limite/é tempo sem hora/luz que não  apaga/quando  sopra  o  vento/e  chuva  desaba/veludo escondido/na pele enrugada/água pura ar puro/puro pensamento”.

Comedor de adversidades  e  cultivador  incansável  do  signo  da esperança,  Cassas, conforme já  dito,  é  o poeta da  luz  e  da sombra; e, certamente, foi dessa clivagem dolorosa que ele se nutriu para compor a Oferenda Lírica dedicada a sua mãe, subitamente visitada pelo mal de Alzheimer,  que, como o  próprio  poeta  sinalizou,  a  fez  submergir  “no escuro silêncio do implícito e do inconcluso”.

Mas, na  contramão  dessa  história  matizada  pelo  sentimento do susto, da surpresa e do sofrimento, A Ceia Sagrada de Míriam se impõe pela luminosidade, pela força da palavra e pela dimensão afetiva de uma confissão amorosa com a  qual  o  poeta  intentou,  e conseguiu imortalizar a emérita figura de sua mãe, protagonista principal da sua Lírica Oferenda.

Sem romantismos ingênuos, mas sabendo captar, sem acidez, e com  acendrado  realismo,  os  aspectos  mais  dramáticos  da  existência, Cassas, com invulgar lucidez, indaga: “Que é a vida senão morder/ os lábios o amor as frutas/ conjugar ser e haver/ até verter a cicuta?” Flagro no realismo de Cassas a ausência da acidez niilista diante da dor, porque do acre veneno de que a vida está impregnada em todas suas  instâncias,  ele  soube  extrair,  prodigamente,  o  mel  da  poesia,  o sonho da arte e a utopia da literatura, sem os quais a existência não passaria de uma vil caricatura e uma grotesca negação de si mesma.

Da Ceia Sagrada de Míriam rumamos, na travessia final dessa hermenêutica que, ambiciosamente, pretendeu acercar-se de todo o espólio poético do notável poeta maranhense, para sua obra final O Livro (composto de duas unidade líricas: O Sentido (Relatos da Fumaça do Incenso) e O Paraíso Reencontrado, espécie de testamento derradeiro de quem, tendo passado a vida inteira num ininterrupto e apaixonado corpo a corpo com a poesia, logra o fechamento de um ciclo pleno em si mesmo, marcado, em todo o seu ir e vir, pelo assumidamente escorregadio signo da dialética.

Poeta da  luz  e  da  sombra,  do  charco  e  da  estrela,  da  ilha  e  do cosmo, do grito e do sussurro, da transgressão e da contrição, da transcendência e da imanência, Cassas, ao longo de todo o seu ato/processo de criação literária, perseguiu, sempre, a construção de um projeto estético de natureza epistemologicamente holística, capaz de demolir barreiras e erigir pontes entre os mais variados campos do conhecimento, no encalço obstinado de perceber o sentido de tudo, daquilo que livra a  história  dos homens de  ser  a acabada metáfora do mais ontológico vazio, e a existência de cada personagem que a habita, de se converter em um mero lance de dados, completamente despido de teleologia.

Cassas reafirma, no seu livro final, a verdade, a sua verdade mais íntima e inarrancável, segundo a qual, o sentido último de tudo radica no reencontro do homem com a sua visceral materialidade, com o seu indesviável terrenalismo, com a sua profunda e intransferível vocação para a humanidade, na qual oculta-se e revela-se a semente divina adormecida em suas entranhas.

Adormecida e acordável para quem, voltando-se para a interioridade, logra abrir-se para a alteridade, atingindo, desse modo, o tão anelado e adiado gesto de comunhão universal. Nesse itinerário luminoso, há, diria Drummond pedras espalhadas pelo caminho, e o espreitar da sombra que eclipsa a estrada parece eternizar a noite e transportar para um distante e quase inatingível amanhã, a aurora de plenitude pela qual anelam todos os homens.
Contudo, a despeito das interdições históricas que pairam sobre a acidentada peripécia humana, o poeta resiste; e o faz com a chama da poesia e o fogo do amor, senha única para a reconquista do paraíso perdido, chave indisputável para o alcance da verdadeira sabedoria, fora da qual o que existe é acúmulo egótico de conhecimentos vazios que para nada mais servem, senão para ratificar o homem na predatória e caricatural condição de lobo de si mesmo.

Em acendrada postura confessional, o poeta maranhense sentencia: “entre silêncio e ruído/desço à morada do fogo interior/onde arde/a chama do amor/no mistério de tudo”. Vê-se aqui, claramente, que é o amor a semente sacral a arder nas profundezas do ser interior do poeta, fazendo explodir, em seguida, o mistério de todas as coisas e, ao mesmo tempo, a revelação definitiva da essência de tudo.

Noutro momento, tocado pela mesma compreensão da realidade mais vertical do ser, o poeta afirma: “por enquanto da vida/só captamos os ruídos/mas o verdadeiro sentido/será definitivo/quando o que clama/ desde Jerusalém/ irromper-nos à alma/com o seu amém”.

Em suma: o motivo do amor, sobremaneira recorrente em O Livro (O  Sentido:  Relatos  da Fumaça do  Incenso  e O Paraíso Reencontrado), é o que confere à cosmovisão do poeta as dimensões mais ostensivamente visíveis da sua seminal substancialidade. Basta ver o poema A Chegada da Luz, para se perceber, com nitidez, o ontológico mergulho que o poeta dá no difícil e necessário temário amoroso, equivalente, no âmago da sua criação, ao que ele julga ser a verdade última e definitiva do ser.

Eis aqui, diriam os críticos afeitos às leituras de cariz estilístico, o centro espiritual dos aludidos livros de Luís Augusto Cassas. Fruto de uma longa e visceralmente atávica convivência com a poesia, o inquieto e criativo poeta da Ilha de São Luís e do cósmico continente de todas as geografias e universos humanos, bem poderia gritar, tal qual um apocalíptico profeta do tempo novo pelo qual todos anelamos: “A poesia sou eu”, sem que isso traduzisse qualquer ranço egocêntrico ou similar, mas apenas a confissão de um relacionamento pelo qual toda a sua vida foi pautada.

A Poesia Reunida de Luís Augusto Cassas, em boa hora colocada no mercado editorial brasileiro, para alegria dos que amam a boa literatura, é um merecido reconhecimento a quem, diria Machado de Assis, tem feito da arte da palavra a sua segunda alma. É, também, um gesto de consagração a quem, drummondianamente, portando apenas duas mãos, carrega consigo o sentimento do mundo e busca, com loucura, paixão e beleza, atingir “a síntese cosmogônica de tudo”.



                                                                                          JOSÉ MÁRIO DA SILVA





Foto de José Mário da Silva





"O escritor, professor, e especialista em Língua Portuguesa e Literatura Brasileira pela Universidade Federal da Paraíba, José Mário da Silva, publicou vários ensaios na revista da Academia Brasileira de Letras e integrou também a coletânea de ensaios do livro “A Paraíba por si mesma”. Quanto à escrita, o autor “tem procurado consorciar a abordagem do texto literário já inserido no cânone da literatura brasileira, juntamente com as produções da contemporaneidade, por entender que a literatura é um sistema vivo e dinâmico”, declara José Mário da Silva."