terça-feira, 23 de setembro de 2014

SEM TÍTULO




não tenho mãos
tenho palavras


não tenho biblioteca
tenho palavras


não tenho 30 moedas
tenho palavras


não tenho santos & demônios
tenho palavras


não tenho tênis Nike nem fumo Lucky Strike
tenho palavras


não sou rei da floresta
tenho palavras


se mudar pra Índia
tenho palavras


se casar-me com uma índia
tenho palavras


se morrer à míngua em Coimbra
tenho palavras


eu te amo
sem palavras








Luís Augusto Cassas
In A Poesia Sou Eu, vol. 1, p. 607



sexta-feira, 19 de setembro de 2014

E (O FILHO PRÓDIGO: Um Poema de Luz e Sombra)



Por órfãos caminhos meu pai
não poupou o primogênito
mas o entregou por seu amor ao mundo
E foi abençoado com as honras de Vênus
e o anel de Júpiter


Segundo as regras sociais
e o código de ordenações morais
era de reputação ilibada
dono de risada ensolarada
excelente pai de família
cultor de feijoada e homília
um homem reto e sem vícios
a não ser o excesso de princípios


Após 60 anos de poder
o Imposto de Renda
e a deusa Themis (de vendas)
concederam-lhe par de asas:
legou-nos carro usado
e velha casa


Mas no Olimpo doméstico
escoltado por suas águias
a polaridade cobrava 
a luz que ao mundo doava
Ali onde toda interioridade
era inferioridade
os introvertidos - detentores 
de estranhos segredos -
condenados ao desterrro


Antimilagre da vinha
Abraão levantava o braço
Isaac baixava o cachaço
mas o céu não intervinha


Narciso ao avesso
toldei a imagem
de insana viagem
de autodesprezo


Trágico engodo
servido c/ torresmo:
poderia ser todos
menos eu mesmo


E almoçávamos contritos
disfarçados do ocorrido
empanturrados de sol
mas de afeto subnutridos








Luís Augusto Cassas
In A Poesia Sou Eu, vol. 2, p. 370


terça-feira, 16 de setembro de 2014

O POETA GENIAL (Retrato do Artista Quando Jovem)



Retrato de James Joyce



Cansei de ser genial:
neon nos letreiros da Broadway
verbete da Enciclopédia Britânica
autógrafos nas coxas de princesas


Uma equipe de televisão espoca o flash
para o que vem a ser um poema inédito
Sou mais popular que Shakespeare e Lennon
e meu rosto está na Praça da Paz Celestial


Poemas dito-os em sânscrito e grego
Miséria é tema de que se ocupam os medíocres
Rimbaud ruboriza em sua estátua
Ah! Baudelaire! Como são venusianas essas francesas!


Cansei de ser selo comemorativo:
entediam-me os títulos de honoris causa!
Irrita-me o assédio das estrelas de cinema!
Nobel é prêmio para flagelados do ego e pincipiantes


Pra inspirar-me prefiro as paisagens italianas
a bordo dos transatlânticos e mulheres puro-sangue
Como Dalí meu cocô é branco como a pulcritude
e os excrementos vendidos a peso de outro na Sotheby's


Sou apenas o orgulho da raça
A quintessência da Poesia!
A última revelação da Beleza!
Olha aí Blake: o dedo de Deus


Quando encerrar meus 15 minutos de glória
regressarei a São Luis numa carruagem de água negra
Lá tenho as mulheres que quero
na praia que escolherei








Luís Augusto Cassas
In A Poesia Sou Eu, vol.1, p. 340



sexta-feira, 5 de setembro de 2014

O LÍDER DO HOSPÍCIO

Luís Augusto Cassas


O mais recente livro de Luís Augusto Cassas - O Retorno da Aura (1994) - representa uma viravolta na obra desse importante poeta e, curiosamente, aproxima-o da conceituação filosófica de Gaston Bachelard e da sua crítica do imaginário ou mitocrítica.

É necessário recordar: Bachelar introduziu a imaginação da matéria como objeto de estudo. Seu método consiste em determinar a força psíquica da linguagem e não apenas seu significado/significante, como querem os cultores da semiótica.

A palavra - dizia ele - está centrada sobre "o instante agressivo, a frase deve tornar-se um esquema de forças motrizes coléricas" e, por isso, o papel do verbo é permanecer no presente, em vez de "de se impregnar com a história da língua e de repetições, como Leconte de Lisle, um eco quase sempre impotente, sempre inverossímil das vozes heroicas do passado.

(1994)
O que consegue Augusto Cassas em O Retorno da Aura é uma combinação do que recomenda Bachelard, com o que vivenciou Fernando Pessoa em seu longo transitar pelo esoterismo: "Eu e o mistério face-a-face".

A virada do poeta maranhense, a busca do essencial, dá para perceber com nitidez que, como tantos outros intelectuais de talento, concluiu: "há algo de podre no reino do poema". E como se processa a decomposição? Pelo modismo, a mesmice, o verso anti-imaginário.

Quando os poetas tentaram viradas em décadas anteriores, defrontavam-se com os caminhos meramente ideológicos. Maiakovski teria optado pelo suicídio, a fim de não submeter-se ã dialética partidária, embora tenha sido, na primeira hora, dos mais entusiasmados defensores da Revolução de 1917.

Osvald de Andrade enfrentou dificuldade semelhante. Imaginou que a doutrina comunista seria a rampa de lançamento do novo ideário poético e não era nada disso.

Cassas talvez tenha encontrado o caminho, seguindo os silenciosos passos de Fernando Pessoa que, fugindo ao brilho da forma, mergulhou profundo na seiva do imaginário, na "mente das coisas", para defrontar-se com a "grande verdade".

Rosebud (1990)
Em Rosebud, livro importante, diz o poeta: "Não existe o sol, Oque existe são girassóis decapitados, chorando no túmulo da orelha de Van Gogh".

Agora, "aos pés do cosmos", de posso do seu manual do buscador, sem fronteiras ou limitações ideológicas, ei-nos diante de um outro Cassas. Com a lucidez do mago, revela: "o sol aceso no peito aquece-o nas noites de inverno e incompreensão".

Em  O Retorno da Aura o que vemos é o poeta tomado pela liberdade de expressão, distanciando-se do inconsciente, para que aflorem as imagens adormecidas nas palavras. "E o autor projetando-se nas coisas e, com ele, o leitor", como lembra Jean-Yves Tadié.

Após saltar os muros das limitações ideológicas e teológicas, Cassas passou a ver com outros olhos o velho mundo novo  e foi tão grande o choque que aí nasceram estes versos: "A vida não é ouro prata esmeralda rubi. É também ferro e cobre chumbo e lágrimas".

A segunda parte de O Retorno da Aura - Breviário do Azul - compõe-se de trabalhos, como Golden Meditation, A Obra em Cinza e A Língua de Einstein. Para alçar-se a voo tão desafiador, o poeta precisava de um arsenal de palavras, de todas, se possível - elos de ligação dele com o outro, com o ausente, com o centro. Quanto mais intensa for a lide do "buscador" mais ele se avizinhará da metalinguística pluridimensional; já não será nem o poema, nem a prosa, nos termos em que a recebemos - histórica e pacífica herança.

O Retorno da Aura é, portanto, na obra de Cassas, um divisor de águas, o batismo esotérico que, por certo, o levará a remoto passado, quando os poetas (filidhs) e os sacerdotes (druis) célticos escreviam as páginas das antigas sagas, isso bem antes do século V a.C.  E se o passado é tão recuado, lá no limiar da História, termina tendo conotação de futuro, pois os extremos se tocam.

Enquanto isso, e com a circunspeção de um dedicado discípulo de Lao-Tsé, diz Cassas: "Quedar-me-ei com a pureza fria dos resignados/ e pedirei humildemente que me intua/ a verdadeira ciência/ de estar neste mundo sem ser necessariamente dele".

O tom é bem diferente do Cassas de Rosebud, na Imitação de Cristo: "Eu também tenho 33 anos completos/ barba por fazer/ paixão por prostitutas/ ódio da humanidade...".

A Poesia Sou Eu, vol. 1
(21012)
O fenômeno Cassas vem se juntar ao místico-maldito Neuro Machado e a José Chagas com seu secreto fascínio pelo ser humano. O obra deles recoloca São Luis na vanguarda poética do país e talvez do hemisfério. A poesia que praticam, longe de ser um exercício burocrático, é pura danação astral, a impeli-los para a mesma sina do  "buscador". E o que buscam?

Fernando Pessoa procurava a unidade que seria, também, a identidade. "Pertenço a tudo que pertencer cada vez mais a mim próprio (...) Um outro flui, entre o que sou e o que quero. "

Cassas passa por perto. "Eu quero a minha aura escurecida/ na perda do amor pelo prazer/ vilipendiada (...) Eu quero a minha aura/ com a liberdade do ser e não a prisão de ter(...) Eu quero a minha aura/ ensanguentada pelos crepúsculos de Dachau e Bombaim"...

Cassas remete-nos à seguinte lenda: o grego Ostanes era um mestre da alquimia, isso lá pelo amanhecer dos tempos. Conhecia Demócrito, um dos primeiros escritores esotéricos. Ostanes teria dito ao escritor: "Nas correntezas do Nilo encontrarás um pedra que tem espírito. Toma-a, quebra-a e enfia tua mão dentro dela para extrair-lhe o coração, pois sua alma reside em seu coração."

Em O Retorno da Aura, o poeta Cassas abre as portas para a alma da pedra de Ostanes, com seus mistérios insondáveis e verdades multifacetadas. Isso o credencia a nos dizer, com a espontaneidade de quem sabe: 
"... se encontrar a verdade/ detrás dos seus sete véus vislumbrarei a felicidade (...) Estar no centro - da consciência  e do coração - / é a única maneira de ser junto com o universo/ e pulsar no ritmo cósmico da luz/ e da sabedoria da vida."



                                                                                          
                                                                                                                   JOSÉ LOUZEIRO









José de Jesus Louzeiro (São Luís do Maranhão19 de setembro de 1932) é um escritor, e roteirista brasileiro.
Iniciou sua carreira como estagiário em revisão gráfica no jornal O Imparcial em 1948 aos dezesseis anos de idade. Em 1953, aos 21 anos, se transfere para o Rio de Janeiro onde foi trabalhar no semanário: A Revista da Semana e no grupo dos Diários Associados de Assis Chateaubriand, mais especificamente como "Foca" em O Jornal e daí foi deixando suas marcas através de suas redações nos jornais Diário Carioca, Última Hora, Correio da Manhã, Folha e Diário do Grande ABC e nas revistas Manchete e Diário Carioca.
Por mais de vinte anos atuou também como repórter policial. Na literatura, estreou com o conto Depois da Luta, em 1958, no cinema escreveu os diálogos do filme:Lúcio Flávio, o Passageiro da Agonia, baseado no romance de sua autoria lançado em 1976 pela editora Civilização Brasileira. Escreveu outros livros sobre casos policiais famosos como "O caso Aracelli" e "O assassinato de Cláudia Lessin Rodrigues". Em Carne Viva (1988) traz personagens e situações que lembram as mortes de Zuzu Angel e seu filho, Stuart.1 Seus livros são, na maioria, contos biográficos, narrados como romance-reportagem, chegando perto de quarenta publicações. A ele se atribui a introdução no Brasil do gênero literário romance-reportagem, que no exterior tivera como representante Truman Capote, que escreveu A Sangue Frio.
Assinou também o roteiro de dez filmes, sendo quatro deles já populares como Pixote, a Lei do Mais FracoOs Amores da Pantera de Jece ValadãoO Homem da Capa Preta e Amor Bandido, com Paulo Gracindo.
Escreveu telenovelas como Corpo Santo e Guerra sem Fim. Mas sua telenovela O Marajá, uma comédia baseada no governo de Fernando Collor de Melo, foi proibida de ir ao ar, numa época em que não havia mais censura no Brasil. Depois desse episódio, o autor conta que começou a enfrentar dificuldades para realizar novos projetos na televisão.


Fonte: Wikipédia


quarta-feira, 3 de setembro de 2014

O POEMA DA VANGLÓRIA ou DA GLÓRIA VÃ

Teillhard de Chardin

                                                                                                                             a Teillhard de Chardin


Sou impuro Senhor
Nem omo total
lavará a minha alma


A sujeira perene
é minha virtude teologal
É de breu minha paz


Por mais que me esforce
não vislumbro pureza
nas flores do campo


Por mais que tente
só consigo concentrar-me
no umbigo das coisas vãs


Não é difícil de amar
Mas o outro meu Deus o outro
aí é difícil suportar


Bem que o outro podia ser céu
ponte aérea do bem asa de anjo
néctar do azul sorriso da estrela


Mas quando penetro em seu território
o humor sangra seus alicates
o inferno arma o lança-chamas


Minha coroa de espinhos
é amar o próximo
ainda que distante


Crucifica o próximo Senhor
Crucifica-me junto com o outro
pra ver se o suporto no paraíso








Luís Augusto Cassas
In A Poesia Sou Eu, vol.1, p. 421