quarta-feira, 18 de março de 2015

A CASA DOS ESPÍRITOS ( O Batismo da Cruz sobre a Foice e o Martelo)


Maria de Jesus Carvalho e Maria Aragão


a Maria de Jesus Carvalho 
e Maria Aragão


1
duas marias
cheias de alegria
uma era espírita
a outra: comunista

duas mulheres
cheias de graça
duas mulheres
contra a farsa

duas marias
de luz
duas marias
da cruz


2
uma jejuava
na revelação
a outra comia
a revolução

uma era maria
de jesus
a outra: maria
aragão

uma confiava
no céu
a outra confessava
ao chão


3
uma pregava
a luta de classes
a outra: o amor
face a face

uma iluminava
a consciência
a outra partejava
a inocência

uma à esquerda
de jesus
a outra: à esquerda
da luz


4
na casa dos espíritos
maria de jesus lavava
na casa dos aflitos
maria aragão passava

uma confiava no coração
a outra: na cor da ação
uma distribuía chinelos
a outra: foice e martelo

duas marias das ruas
passando a vida a limpo
duas marias sol e lua
jogando a miséria ao limbo


5
assim as duas marias
grávidas de compaixão
findaram os dias
na mesma oração

uma era maria
de jesus
a outra: maria
aragão

uma foi rindo
pro céu
a outra: sorrindo
ao chão







Luís Augusto Cassas
In A Poesia Sou Eu, vol. 2, p. 444





segunda-feira, 9 de março de 2015

PAIXÃO E VISCERALIDADE NA POESIA DE CASSAS



O critico Ronaldo Cagiano analisa a força espiritual de A Poesia Sou Eu, 
Poesia Reunida, verbo-testemunho que revela a verdadeira condição 
humana de toda a obra de Luís Augusto Cassas




Já estava faltando à bibliografia brasileira uma edição à altura da qualidade e da importância da poesia do maranhense Luis Augusto Cassas, um escritor que vem fazendo de sua militância literária um profundo exercício de reflexão existencial e uma proclamação da necessidade da poesia nesse tempo em que há pouco espaço para a virtude do pensamento e do mergulho poético nos dilemas que nos rodeiam.

Com a recente edição de “A poesia sou eu – Poesia reunida”, em dois volumes (Ed. Imago, Rio, 2012, 1366 pgs, R$ 127,50), vêm a lume 16 títulos publicados e outros 4 inéditos. Nesse vasto percurso poético de Cassas, está mapeada sua incursão pelas diversas vertentes que a sua palavra-testamento e seu verbo-testemunho são capazes de comunicar, desde a relação lírico-sentimental do poeta com suas raízes afetiva e geográficas até a visão crítica e questionadora da realidade, sem contudo desviar-se pelo panfletarismo ou a apologia política.

Em Cassas, tanto o poema de viés  sentimental quanto a busca da razão crítica, convivem simbioticamente como expressão ou instâncias deflagradora de um olhar peculiar e cirúrgico, estabelecendo um modo de ver e sentir de um poeta antenado com as angústias humanas e as emergências do seu tempo.    Como diz em seus poemas  - “O homem / é animal poético/ em pleno verão”; “Embora o olho não perceba, sabe-o o coração” – Cassas é o ser da escritura em todas as estações, o homem da consciência inquiridora, o poeta que ausculta o íntimo para desvelar não apenas os segredos da alma, mas des(a)fiar o labirinto psicológico e as agruras sociais. Com sua voz aguerrida, não se constrange diante mazelas e do escalonamento de valores sociais, políticos e religiosos, nem das falta de armas, porque a sua – a palavra afiada e intimorata – está prestes a irromper como lâmina mordaz para combater o bom combate contra a mediocridade contemporânea: “o dinheiro é um deu$ terrível/ que go$ta de $er adorado face a face/  e paga à vi$ta o$ seu$ milagre$/ condecorando o$ vivo$ com moeda$ na língua/ para ab$olvê-lo$ da ferrugem do $ol do$ mi$erávei$”.

Na produção de Cassas há um trânsito multifacético pelo universo formal, estamos diante de um poeta que não se prende a fórmulas, igrejas estéticas ou modismos, sua arquitetura verbal funde elementos de diversas escolas. Da tradição à vanguarda, do clássico ao moderno, seu artesanato funciona como ambiente propício à (re)criação, à renovação da linguagem, à busca de experimentações, no entanto, sem aquela sensação de provocação  gratuita e falsa invencionice muito em voga em certa poesia hoje em curso no Brasil, que se sustenta mais pelo contorcionismo do que pelo talento, criatividade ou versatilidade.

Neste poema – “Somos feitos de nós,/ nós na garganta,/ nós no peito,/ nós nas tripas,/ múltiplos nós,/ todos os nós,/ todos nós,/ nós todos.” – o poeta transcende o mero jogo de palavras e a intenção aliterativa para sustentar a crítica, em alto e bom som, em estilo peculiar e estilhaçador, do estágio a quem chegou não a humanidade, mas própria arte (ou a própria poesia), perdida no cipoal de contradições e nós que a inviabilizam, é símbolo ou metáfora da atmosfera (ou das contradições) em que estão mergulhadas a vida e a poesia nesse (vário) tempo de coisificação e etiqueta.

Em sua oficina criativa o recurso da intertextualidade e da metalinguagem estão muito presentes e funciona como reafirmação de que a poesia não é somente ele (contrariando o título da antologia pessoal) mas os poetas e o mundo de que somos feito, o talento povoado de outras leituras (do mundo e de autores). Luis Augusto Cassas deambula pelos livros, por autores antigos e contemporâneos, dialoga com outras artes e linguagens. Na busca irrefreável de matéria e circunstância para sua confissão poética, sua palavra implode a ordem das coisas, nada lhe escapa, tudo é fiel leitmotiv para uma tentativa de compreender o que aí está. Mesclando o ácido das constatações com o humor e a ironia,  flertando com idéias e sentimentos que guardam similitude com suas preocupações oníricas e filosóficas, com seu sentimento (do peso) do mundo, pois sabe que viver traz em si a mirada caleidoscópica, ao mesmo tempo a sensação de estarmos num eterno carrossel que nos liquidifica e transtorna, em que tudo é um jogo de antagonismos, um embate entre paradoxos e possibilidades, uma peleja entre realidades dicotômicas, e agente feito Sísifo: “girar girar/ como um pião/ girar girar/ no centro do furacão/ rumi girando anti-rotação/ dissolvendo os hemisférios/ no sol do coração/ Hegel / redemoinhando/ ascendendo ao reino/ das aparências em união/ davi — velocidade da pomba —/ dançando ao redor da arca/ enlouquecendo a tradição/ girar girar/ como um pião/ girar girar/ até a compaixão”.

Nesse país, cuja crítica hegemônica e monopolista do eixo Rio-São Paulo, a reboque de um sistema editorial cartorialista e panelizado, não reconhece vida inteligente em outras regiões – razão pela qual vivemos um período de incensamento de mediocridades e popularização do lixo literário poético e ficcional, sintoma do nivelamento por baixo da literatura – a reunião poética desse poeta visceral do de São Luis, comprova a vitalidade do que se produz literariamente nos diversos brasis. Ainda que a negligência, silêncio e injustiça dos críticos de algibeira dos grandes jornais imponham sua criminosa indiferença, há de se destacar a importância de sua poesia e o vigor com que velhas e novas gerações maranhenses, de ficcionistas e poetas, vêm oferecendo à história da produção intelectual brasileira, de Gonçalves Dias a Ferreira Gullar, de Humberto de Campos a José Sarney, de Josué Montello a Bandeira Tribuzzi, de Sousândrade a Lago Burnett, de Catulo da Paixão Cearense a Salgado Maranhão,  de Coelho Neto a Ronaldo Costa Fernandes, Viriato Gaspar, Antonio Miranda e Domingos Pereira Netto.

Poeta por vocação, inspiração, dedicação e paixão, Luis Augusto Cassas vê agora seu nome e sua obra reconhecidos. Nesses dois volumes faz –se justiça e contempla-se a verdadeira dimensão humana de seu trabalho, além de consolidar uma safra da mais alta voltagem, que vai ao magma da palavra para extrair-lhe o que é essencial e profundo. Um poeta sem meias palavras, porque sua lavratura –  inteira e indomável! – traz no bojo a força espiritual da luta ética que deve anteceder a qualquer autor, na mesma linha do que  nos dizia o saudoso poeta carioca-brasiliense Fernando Mendes Viana: “A função da poesia é brigar nas trevas.”   
                     





Ronaldo Cagiano*

*Mineiro de Cataguazes, é autor de O Sol nas Feridas (poesia) e Pequeno Dicionário de Solidões (contos), dentre outros. Reside em São Paulo.

segunda-feira, 2 de março de 2015

O POETA ANIVERSARIA



FELIZ ANIVERSÁRIO, POETA!

Hoje é aniversário do nosso grande poeta Luís Augusto Cassas. 
Um poeta transcendente, cujos versos servem a uma causa maior. A poesia de sua natureza pisciana nos faz nadar em mares alquímicos, mergulhar em abismos profundos e navegar no oceano sagrado da fé. 
Nasceu para ser poeta, sua missão nesta vida. Profetiza a  beleza e a profundidade pelas palavras, que se amalgamam em universo próprio,  um verdadeiro cosmos poético. 
Deixo aqui, então, essa pequena homenagem, em nome de seus leitores, com votos de um Feliz Aniversário. Muita saúde, paz, alegria e, sobretudo, inspiração, para continuar derramando sobre o papel sabedoria e beleza, sua marca registrada de transcendência. 




Cosmos Poético

                                                                                      para Luís Augusto Cassas
  

Herança sideral
do Universo,
tua poesia 
é sinfonia de palavras
regendo a música
sagrada das esferas,
metáfora dos astros
que orbitam teus olhos.
Obediente à analogia
dos movimentos,
tua poesia 
guia a rotação 
dos corpos semânticos,
habitados nas estrofes
de significado infinito.
O ritmo cíclico
da transcendência,
tua poesia 
possui,
nela eclodem rimas
que revelam a eufonia
das luzes,
numa dança poética
de estrelas.






Elizabeth F. de Oliveira