sexta-feira, 19 de junho de 2015

RUMPELSTISTIKEN






1
Um dia ficarei absolutamente só
com as minhas lembranças
Solitárias elas virão Uma a uma
descerão a escadaria da memória moral
Pisarão com calma para não ranger
as velhas tábuas do passado
As boas as tristes as passageiras
nenhuma descartarei (Chopin ao fundo
entoará uma sonata distante)
Mensageiras da minha secreta verdade
tingiram as cores do meu arco-íris pessoal
e coloriram o meu sonho de viver
Despedirei cedo os empregados
pra que venham sem cerimônia
Descerrarei os antigos castiçais
Polirei a prata
Baterão à porta? Velhas amigas
sentar-se-ão à rústica mesa de madeira
pra fumar o cachimbo das recordações
Pássaros esvoaçarão contra o relógio
Xícaras de porcelana comovidas as fitarão




2
Ouvirei (comovido) suas conversas de nuvens
relatos e viagens parábolas de sonhos
obituário do acontecido rastros noturnos
da lanterna mágica sussurro no vitral
(Ó trágica flor de ouro maldição de anjos decaídos:
o temível segredo que eu intuía elas sabiam!)
Acrescentarei (com gentileza saturniana)
um ponto de vista virgem pedido de desculpas
ficção de outros personagens leitura do cristal
O que não foi sonegado entenderei
O excesso perdoarei Palavra de lei
Algumas envelheceram juvenilmente
e aderiram ao amargo chá das lamentações
Outras despiram a velha roupa dos preconceitos
e falam o prenunciado idioma da transfiguração
Onde havia ferimento agora há unguento
Onde havia amargura há cura
(Ó trágica flor de ouro maldição de anjos decaídos:
o temível segredo que eu intuía elas sabiam!)
Tudo o que era grande tornou-se pequeno
Tudo o que era pequeno tornou-se grande
e invadiu o pesado teto das reminiscências
- flor rebentando os telhados da casa -
pra colher a saliva dourada do sol


Escombros já não pesam nos lombos
Da desgraça sopra o vento da graça
O que eu sei o que eu não sei
passam a ser lápides extintas
música distante convívio de flautas
frutas submersas no espelho do vivido
Um arquipélago de lágrimas
desata um cardume de sorrisos
Todas as culpas e remorsos lavados
na clara fonte da compreensão
secam no amplo varal da resignação
E me recolho pacificado aos aposentos
lavado na pura água do desfalecimento
Coração de água ferido de um rei




3
Ó destino és (como eu) um animal divino
farejando as pegadas do sentido da vida
De que adianta pagar o cigarro das luzes
as pálpebras e a consciência
se os deuses guardam ciúme dos homens
e se vingam tão eternamente?










Luís Augusto Cassas
In A Poesia Sou Eu, vol. 1, p. 364






quarta-feira, 10 de junho de 2015

DIA DOS NAMORADOS





à luz de velas
te conheci
à luz de velas
me despedi



nosso amor começou
dia de finados
e findou
dia dos namorados








Luís Augusto Cassas
In A Poesia Sou Eu, vol. 2, p. 341