terça-feira, 4 de novembro de 2014

LIRA EM DELÍRIO (O Poeta Comemora 40 anos & troca In-Confidências com a Sombra no Espelho)

Gonçalves Dias



meu caro bibliófilo:
estranho hieróglifo
traduz meu jardim


meus lábios estanques
colhem rosas de sangue
e anunciam o fim


comédia do destino
os pulmões em desatino
sopram oxigênio ruim


crepúsculo-catarro
forja negro pigarro
à odisseia-chinfrim


frágil garganta canta
pássaro sem esperança
melodia-caim


faltam-me estima e rima
pra lutar contra a sina
e dizer à vida: sim!


náufrago o amor
resta-me o ágio de dor
que sustenta-me o rim


nem o melhor biotônico
salvará o lado ôntico:
bastardo-serafim


sou um fantasma romântico
em pesadelo crônico
cozinhando o seu cauim


(ó verdade eterna:
o amor é romântico
mas a dor é moderna!)


deus permita que o lírio
que destila do delírio
acenda tristes cílios


no jardim que me empesta
solto as últimas pétalas
o sangue que me resta


cumpri o destino de bardo:
amei a dor e a saudade
em vossa piedade ardo


quando chegar ao paraíso
direi: fui feliz
com dor e nenhum motivo








Luís Augusto Cassas
In A Poesia Sou Eu, vol. 1, p. 604


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