1
Namorada do Sol
Ventre do Céu
Coroa do feminino
Regaço da Existência
Cordão Umbilical do Ser
Elegância do absoluto
Provedora da Vida
Rainha de Éons
Pedra da Fundação do Tempo
Senhora do Azul
Celeiro do Mundo
Inspiração dos poetas
Árvore da Vida
Arco-íris Noturno
Mistério do Amor
Rio de Água-Viva
Misericórdia Infinita
Jardim da Essência
Natureza Naturante
Orquídea do Universo
Terra Firme
2
Aqui onde o espírito
sopra
lendas verdades e mitos
Ó Natureza
ouço a voz de Hölderlin
o sacrificado amigo
enlouquecido como um lírio
e peço abrigo
mergulhado
em contemplação
3
Preenche a taça
do oxigênio
rachada de adrenalina
cujos vapores
os elementos
em ebulição
sofrem em mim
os ciclos voltaicos
da criação
Abelha beijando
a flor
aspiro ao pólen
da ressurreição
Outubro: explodem
à mostra os rins
de cajus e tamarindos
rolando à superfície do chão
Quem inala o sopro
em minhas narinas
modela-me as formas
reinventa novo barro
humano cristal
em fabricação
Este corpo
é cansado
para suportar
o volume da verdade
o código do ser
a ira do viver
e range
sob o peso
da encarnação
4
Sou ruínas
despetalo em pedras
Holos-fragmento
vaso quebrado
espatifado de ausência
As quatro estações
da carne
aspiram ao sopro
quintessencial
Portal do mistério
enseado do inaudito
em cada dobra
de seus flancos
o pensamento da terra
brota o gel
do caos primordial
mesclando-se ao lixo
reciclado de infinito
A Terra
e a sua mitologia:
o antes e o depois
convivem
em meio
às contrações
5
O cordão umbilical
raiz de frondosa árvore
povoada de minhocas:
o canto das moscas -
verdes as formigas vermelhas
a pré-selvageria
dos símbolos e címbalos
a escrita automática
dos aromas
Cresço em metros
mas não percebo
os bichos os bichos
a hileia das hienas
(quando nasci
um cão mordeu-me
a passou-me raiva)
Grande estufa
de cérebros-falantes
e plantas carnívoras
(súbito
vi a cara de Deus
entre relâmpagos
e clarões)
6
Ó natureza + pouso as mãos em tua pele jovem
e rusguenta + A tipografia das casas imprime sulcos
em meus braços + Sinto o sexo roçar as árvores +
O sol com o seu chapéu de feltro incandescente
faz mesuras para me saudar + O veneno
que carrego na língua sequer destruiria
o vício da repetição +
Todos os mitos + preparação para o único +
Sou obra do bicho e do anjo quintessencial + mas é
em teu ventre ó nutridora que vejo a luz coalhar-se +
e retirar o arsenal da magia + rituais e sinais
de renascimento
O silêncio tem me enviado convites
c/ papel timbrado + reality shows do vazio +
pôster de florestas amazônicas e tibetanas +
mantras ecológicos + psicografia de ventos gerais +
pegadas de Tereza e carmelita descalça +
Espaço sagrado da consciência +
não penso + Sou existência
Que me respira germina a infância +
Ó papel desbotado de parede do passado +
Os grandes animais partiram + encarnaram na pele
dos seus exterminadores + Restaram as árvores _
a vocação dos totens + Os pássaros _ o caminho
para o alto + E as serpentes _ em seu
teatro de iluminação e queda +
minhas fronteiras
psíquicas
mal constituídas
pedem-me distância
dos ruídos
da vida
antes cultivava
a palavra
ávida de possibilidades
agora curto
o silêncio
grávido de identidades
7
Animal ferido
no 6o. dia
procuro meu nome
na agenda de Deus
perdida na criação
escolher
o sarcófago
natural
ou restaurar
o antigo
original
eis
a
questão
como retornar
à casa
se não concluí
a lição da alma?
frente às galáxias
e à vastidão cósmica
clamo ao tempo: mais
pelo relógio de Acaz!
8
ela a minha
solidão
foi a menor
de todas
sua virtude
foi ter
se auto-
diminuído
transformando
o mestre
em discípulo
foi a menos
negativa
a menos
desesperada
a mais
iluminada
a mais
compassiva
9
Bênção celeste
humilde te aguardo
assim como milho
sonha as lamparinas
e a palha do arroz
alastra ao que o fascina
Curvado em ofício de concha
poluída praia íntima
recicle a salvífica onda
o óleo queimado e as resinas
Vinde chuva de cajus
arco-íris de andorinhas
bafo de cuscuz
destruindo ervas daninhas
fôlego de luz
sob os pulmões em neblina
Cresci em séculos
de adrenalina
e o anjo c/ seus exércitos
anuncia-me a ruína
Bênção celeste
divinas narinas
dá-me o oxigênio das gaivotas
- beija-me boca a boca -
alinha-me à ordem cósmica
violenta-me c/ tuas crinas
Conclui teu pacto - senhora
que em mim a natureza - flora
Se for merecedor
concede-me a liberdade
da busca da verdade
em sua expressão maior
10
Sou como Deus - rompidos os vasos - exilou-se
o aspecto feminino da minha divindade O vazio
habitará em mim até o reencontro c/ a Noiva qdo.
será restaurado o Templo de Plenitude
Vem energia de união
consumar a comunhão
Sob a luz do todo
torna-me vaso novo
Eu não mereço
mas a misericórdia
me entrega
e eu aceito
Não me pertenço mais + sou o primeiro Adão
inflado no sopro da terra + a consciência vestida
contemplando o umbigo do mundo +
habita-me
a primeira
lágrima
de silêncio
11
_ E a companheira?
"_ Busca-a no mundo
e a conhecerás
Ela se chamará
Eros-Philia-Ägape
o coração da humanidade
Será quem
te consolará"
12
Ah paraíso
reencontrado
te pensava
arquetípico
habitado
de uma estrela
de Íxion
ou
na constelação
do infinito
onde náiade
estelar
despe o mito
Te sabia
perdido
deslocalizado
por Milton
na supranatureza
escondido
no espaço quântico
do existido
lá onde
Cristo reintegrava
os discípulos
Havia esquecido
que o Criador
retirou de si
num ato compassivo
as flores
do seu melhor sorriso
decorou o espaço
c/ arco-íris e narcisos
p/ o homem
à alegria e ao gozo
estar unido
Onde era
esse lugar?
cada vez
se sequia
abraamicamente
pra mim mesmo
sinalizava o sol
novo berço
reinvenção
do começo
mas sob
a palma
dos pés
pulsava
(tatuada
nos dedos)
a estrela
do endereço
onde se escondia
o meu lar:
era aqui
ou ali
lá ou acolá
ou no próprio
caminhar?
mesopotâmica
senha
amazônica
brenha
planície ou
montanha
roteiro
de terra e ar?
Campo de visão
descalço
as sandálias
e invoco
o espaço sagrado
(onde arde
a sarça)
na camada solar
do coração
13
Ah paraíso
redescobrir-te
reinaugura
novo círculo
para brotar
o sentido
Embora reconheça
q a lei da selva
tenha invadido
o jardim da promessa
e o poder do arco
submeta
o mais fraco
e a sanha do esperto
oprima o sábio
e corram entrelaçados
nas águas do mesmo rio
o fratricídio e o sentido
a água viva
batiza
a água pesada
e a esperança
reacende a aliança
c/ o milagre da infância
(perdemos todos
os caminhos do jardim
menos as crianças
herdeiras da paisagem
aceitaram a ternura
e nos redimiram
das engrenagens
da máquina de tortura
- estávamos nus
disfarçados na folhagem-
sorridentes entre pássaros
ofertam uma flor à humanidade
enqto. cobras e lagartos
esgueiram-se sobre a árvore)
14
porque se olharmos
com profundidade
dentro do homem
veremos a humanidade
dentro do homem
veremos a unidade
dentro do homem
leremos a divindade
no coração do homem
- o paraíso e a queda
e a reintegração -
dentro do homem
entre silêncio e ruído
desço à morada
do fogo interior
onde arde
a chama do amor
no mistério de tudo
15
belo é contemplar-te
ó unidade
ainda que engendres a arte
da multiplicidade
somos
areias
teias
centelhas
toda a criação
embora
o olho
não perceba
sabe-o
o coração
16
nem
sabedoria
nem loucura
nem
estrela-guia
nem
noite escura
nem
ipsilone
nem
ipseidade
nem
conflito
nem
serenidade
nem
clássicos
nem
quânticos
nem
excesso
nem
avesso
nem
vazio
nem
plenitude
nem
doença
nem
saúde
nem
sax
nem
atitude
apenas
o fluir
do aqui
e agora
além tempo-
espaço
além
das horas
17
Urinei nas mangueiras
e em todas as árvores
da infância e adolescência
que me seduziam
a força dos rins
Vira-lata em trânsito
marquei o território
à sanha dos predadores
erguendo-me sobre as patas
no dilúvio do jardim
Meu exercício secreto
desenhava chuvas
líquidos itinerários
círculos sagrados
recitações fluviais
E confesso aos ventos
um sonho de maturidade
beber o orvalho de pétalas
e regar a grande árvore
dos jardins dos céus
18
Salvei a ira
para o encontro
com Deus
tentaram comprá-la
cesta
de pães e peixes
ou par de sandálias
no mercado
da verdade
devo a ela
(secreta pérola)
o ingresso
(sem subornar
a minha alma)
assim espero
aos umbrais
da
eternidade
(recado do vento:
onde mora
a raiva
transcorre
a seiva
morre
a larva
nasce
a borboleta)
19
piso c/ cuidado
o solo
dos antepassados
onde foi vertido
o sangue
do imaculado
caminho
lado a lado
dos espíritos
dos santos
loucos e heróis
martirizados
descobrindo
passo a passo
o significado
q tudo é sagrado
sempre
cocriado
e a luz
q escreve
os ciclos
enfrentando os perigos
faz o amor
romper o castigo
20
sou o nome
o prenome
e o sem-nome
o samsara
o satori
e o nirvana
céu e terra
sol e lua
estão em mim
engendro o belo
o feio
e o terrível
nasço e renasço
nos ciclos
dos mitos
e habito
poeticamente
a existência
21
Conversas c/ a Terra
(depositando flores
no túmulo do poeta desconhecido)
afora os filhos
raros amigos
alguns amores
(muitos clamores)
estranhos mestres
(o excesso e a carência
e toda a não ciência)
meus companheiros
de viagem
nesta jornada-terra
neste desejo-vida
além do espírito
minha morada
no infinito
e a poesia
caminho
da mais-valia
foram a xícara de café
o pão a fruta
o jornal diário
os autores relidos
(os pintassilgos
cantando no umbigo)
rostos solidários
gestos compassivos
a partilha da utopia
a solidariedade coletiva
encontros extraordinários
(às vezes um mendigo)
passeios à beira-mar
sonatas à solitude
epifanias da unidade
secretas transgressões
árvores que não plantei
letras e músicas
q cantarolei
e não mais sei
(um pingo d'água
é o começo do rio)
os filmes da tarde
os quartos de hotéis
a liturgia das horas
os sapatos macios
e a descoberta do vazio
tudo foi oportunidade
de beleza e verdade
(e o discernimento
de que na vida
como no texto
todo fim
é recomeço)
no fundo
só o amor
contou
e o que faltou
o vento
modulou
à melodia interior
O sentido
da minha vida
encontrei-o
na aceitação
de que tudo foi
maravilhoso
jamais estamos
desacompanhados
e somente
o sentimento
torna-nos felizes
e desapegados
à vida nascente
22
Graças ao eterno
foi me dada
a experiência
de cruzar o inferno
pássaro de asas arrancadas
descalço pisar em brasas
sol furando os buracos
romper a máscara
e entre os cactos
do deserto
tornar-me
um livro aberto.
Luís Augusto Cassas
In A Poesia Sou Eu, vol. 2, p.577
da máquina de tortura
- estávamos nus
disfarçados na folhagem-
sorridentes entre pássaros
ofertam uma flor à humanidade
enqto. cobras e lagartos
esgueiram-se sobre a árvore)
14
porque se olharmos
com profundidade
dentro do homem
veremos a humanidade
dentro do homem
veremos a unidade
dentro do homem
leremos a divindade
no coração do homem
- o paraíso e a queda
e a reintegração -
dentro do homem
entre silêncio e ruído
desço à morada
do fogo interior
onde arde
a chama do amor
no mistério de tudo
15
belo é contemplar-te
ó unidade
ainda que engendres a arte
da multiplicidade
somos
areias
teias
centelhas
toda a criação
embora
o olho
não perceba
sabe-o
o coração
16
nem
sabedoria
nem loucura
nem
estrela-guia
nem
noite escura
nem
ipsilone
nem
ipseidade
nem
conflito
nem
serenidade
nem
clássicos
nem
quânticos
nem
excesso
nem
avesso
nem
vazio
nem
plenitude
nem
doença
nem
saúde
nem
sax
nem
atitude
apenas
o fluir
do aqui
e agora
além tempo-
espaço
além
das horas
17
Urinei nas mangueiras
e em todas as árvores
da infância e adolescência
que me seduziam
a força dos rins
Vira-lata em trânsito
marquei o território
à sanha dos predadores
erguendo-me sobre as patas
no dilúvio do jardim
Meu exercício secreto
desenhava chuvas
líquidos itinerários
círculos sagrados
recitações fluviais
E confesso aos ventos
um sonho de maturidade
beber o orvalho de pétalas
e regar a grande árvore
dos jardins dos céus
18
Salvei a ira
para o encontro
com Deus
tentaram comprá-la
cesta
de pães e peixes
ou par de sandálias
no mercado
da verdade
devo a ela
(secreta pérola)
o ingresso
(sem subornar
a minha alma)
assim espero
aos umbrais
da
eternidade
(recado do vento:
onde mora
a raiva
transcorre
a seiva
morre
a larva
nasce
a borboleta)
19
piso c/ cuidado
o solo
dos antepassados
onde foi vertido
o sangue
do imaculado
caminho
lado a lado
dos espíritos
dos santos
loucos e heróis
martirizados
descobrindo
passo a passo
o significado
q tudo é sagrado
sempre
cocriado
e a luz
q escreve
os ciclos
enfrentando os perigos
faz o amor
romper o castigo
20
sou o nome
o prenome
e o sem-nome
o samsara
o satori
e o nirvana
céu e terra
sol e lua
estão em mim
engendro o belo
o feio
e o terrível
nasço e renasço
nos ciclos
dos mitos
e habito
poeticamente
a existência
21
Conversas c/ a Terra
(depositando flores
no túmulo do poeta desconhecido)
afora os filhos
raros amigos
alguns amores
(muitos clamores)
estranhos mestres
(o excesso e a carência
e toda a não ciência)
meus companheiros
de viagem
nesta jornada-terra
neste desejo-vida
além do espírito
minha morada
no infinito
e a poesia
caminho
da mais-valia
foram a xícara de café
o pão a fruta
o jornal diário
os autores relidos
(os pintassilgos
cantando no umbigo)
rostos solidários
gestos compassivos
a partilha da utopia
a solidariedade coletiva
encontros extraordinários
(às vezes um mendigo)
passeios à beira-mar
sonatas à solitude
epifanias da unidade
secretas transgressões
árvores que não plantei
letras e músicas
q cantarolei
e não mais sei
(um pingo d'água
é o começo do rio)
os filmes da tarde
os quartos de hotéis
a liturgia das horas
os sapatos macios
e a descoberta do vazio
tudo foi oportunidade
de beleza e verdade
(e o discernimento
de que na vida
como no texto
todo fim
é recomeço)
no fundo
só o amor
contou
e o que faltou
o vento
modulou
à melodia interior
O sentido
da minha vida
encontrei-o
na aceitação
de que tudo foi
maravilhoso
jamais estamos
desacompanhados
e somente
o sentimento
torna-nos felizes
e desapegados
à vida nascente
22
Graças ao eterno
foi me dada
a experiência
de cruzar o inferno
pássaro de asas arrancadas
descalço pisar em brasas
sol furando os buracos
romper a máscara
e entre os cactos
do deserto
tornar-me
um livro aberto.
Luís Augusto Cassas
In A Poesia Sou Eu, vol. 2, p.577
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