A primeira vez
que a Morte passou pela minha vida
caíram-me por terra
a coroa do império o cetro do orgulho
o castelo da vaidade
E fui ficando mais leve
do enorme
peso da vida
A segunda vez
que a lâmina da Morte passou pela minha vida
cortou-me os braços
e todo o apego fugiu-me por entre os dedos
E fui ficando mais livre
do / enorme peso de existir
A terceira vez
que a lâmina da Morte passou pela minha vida
cortou-me as pernas
e aprendi a caminhar com os próprios passos
E fui ficando mais livre
do eterno
peso de existir
A quarta vez
que a lâmina da Morte passou pela minha vida
rasgou-me o horizonte do coração
e todas as estrelas do futuro caíram-me aos pés
E fui ficando mais solto
do pesado fardo de ser
A enésima vez
que a Morte passou pela minha vida
já estava podado
de quase
todos os excessos do ego
Separado o espesso do sutil
reduzido à essência do ser
E fui ficando mais leve
do aéreo peso da vida
A última vez
que a Morte passou pela minha vida
decepou-me o pescoço e a esperança
Minha cabeça rolou pelos campos de toda memória
Estava livre de todo o excesso da matéria
e comecei a viver
Luís Augusto Cassas
In A Poesia Sou Eu, vol. 1, p. 278
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