terça-feira, 15 de julho de 2014

O ENCONTRO DE ULISSES E TELÊMACO




          Pode-se dizer que a obra de Luís Augusto Cassas - dentre suas direções multifárias e abertas - é atravessada por uma sentida telemaquia. A busca da origem. Da ilha. E da casa. Como quem sofre uma nostalgia orientada para o passado e para o futuro.

          Tudo isso pode ser apontado, por exemplo, a partir do livro Deus Mix, onde a busca não passa de uma física da confluência, das origens tantas que ferem como flechas pontiagudas homens e deuses.
          
          Mas é somente nesse doloroso e belo O Filho Pródigo, que se realiza o encontro de Ulisses e Telêmaco.

          Assim, pois, como dizer aqui o tamanho de um regresso, voltado para uma nova Ítaca, sob os auspícios de uma cosmologia da parte e do Todo?

          O poema avança por campos gerais e sonda a pluralidade de saídas e significados. O eu-lírico representa todas as partes, sem distinguir réu de juiz, defesa de acusação. O livro não se restringe a apontar para um trivial  j'accuse. Cassas é um poeta forte, porque possui um desenho de um cosmos, que sabe e persegue, estuda e medita. E, assim, portanto, conhece de modo mais alto as escalas de grandeza que nos regem, desde o DNA ao Empíreo, do sonho alquímico ao teatro da ciência - as formas todas que compõem o legado da nossa miséria (e sorte).

          A figura do pai emerge, portanto, de uma compreensão certamente dolorosa, sofrida - quanto não lhe custou escrever este livro? - quase devastadora, e, apesar ou por causa disso, estabelecida num plano de amor, que não move apenas o sol e as demais estrelas, mas que inaugura a via imperscrutável do perdão. 

          Mas tudo isso, a partir de uma visão de mundo, tanto mais aberta, quanto mais solidária, em que a rede de fenômenos se confunde com os arcanos e essências que o poeta sabe ler no céu, na pedra e no coração.

          Livro de rara beleza, de pura e clara redenção. O fim de uma viagem, que encontrou não apenas um porto, mas uma demanda de beleza e reintegração. 





                                                                                                                Marco Lucchesi







Marco Americo Lucchesi    (Rio de Janeiro, 9 de dezembro de 1963) é um poeta, escritor, romancista, ensaísta e tradutor brasileiro. Membro da Academia Brasileira de Letras (desde 2011) e também da Accademia Lucchese delle Scienze, Lettere e Arti. Graduado pela Universidade Federal Fluminense (UFF), é mestre e doutor em literatura, pela UFRJ, e realizou pesquisa de pós-doutorado em filosofiaa da renascença na Universidade de Colônia, na Alemanha.


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