1
Quando eu era materialista
amava a lua na escuridão do céu
Depois me tornei espiritualista
e quis ser o sol da meia-noite
Agora que não sou mais
espiritualista nem materialista
cigarra e formiga cantam juntas
no aurorescer e alvorecer
Não sei mais o que eu sou Eu sou
Todos estão rigorosamente certos
Todos estão exclusivamente errados
Não há nada a fazer
Não há partido a tomar
Se o visível procede do invisível
— seria correto dizer —
que o material leva ao espiritual?
Sol e lua brilham para todos:
muita treva conduz à claridade
e excesso de luz pode cegar
Portanto quem está aqui pode estar lá
Tudo que é sólido desmancha no
ar
Não sei mais o que sou Eu sou
Na verdade — quem não busca o céu
por mala direta ou oblíquo véu?
As estrelas e as lojas de departamentos
os homens de negócio e
o asceta tibetano
todos crescem e
multiplicam-se como nuvens
apenas para cumprir a
obra de Deus
Portanto quando perguntam:
materialista ou espiritualista?
Não sei o que eu sou Eu sou
2
Quem não vê
(conectando a luz da alma no fio da visão)
que o ébrio procura na embriaguez
dissolver a sua dor em Deus?
e o intelectual ensimesmado
busca a sabedoria de Deus?
e o neurótico
desiludido
apenas o amor de Deus?
e o capitalista convicto
o poder de Deus?
e a prostituta
que se entrega por dinheiro aos homens
anseia (sem
perceber)
como entregar a alma nua e pura ao Pai?
Quem julgará o certo e o errado
com sabedoria e toda a ciência
se o bem e o
mal
são apenas estados de consciência?
3
Antigamente eu tinha
muita
culpa por viver embriagado no mundo
Agora que me embriago
de Deus
e recuso o cálice do
mundo
vejo que permaneço ébrio
e o vinho exala forte em minha alma
Ontem estava certo
Hoje estou certo também
Não há nada a fazer
Não há nenhum céu a conquistar
Nenhuma cerejeira vai florescer
Nenhum salvador vai chegar
Só sei que a cada dia menos sei
Só sei que a cada dia menos sou
Não sei mais o
que sou Eu sou
Luís Augusto Cassas
In A Poesia Sou Eu, vol. 1, p. 345
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