Aos amigos Leonel Araújo Lima,
Zeca Belo e Alberico Carneiro, companheiros da flor-de-lis metálica no coração
Eis o caminho das espadas
que o Mar Vermelho abençoou
na constelação das coronárias
Taça de vinho tinto derramado
na toalha
branca do sacrário
sou a ceia devorando ervas amargas
Víscera sagrada estressado músculo
ovelha imolada templo do crepúsculo
sol de Hiroshima bíblia de Abel
palco da chacina açougue do céu
bala de canhão dos doze apóstolos
UTI da paixão
de todos os sós
Morrer pela cruz ou pela espada?
Arrancaria do peito a bomba-relógio
e contra a turba arremessaria a granada?
Metralhado ostentaria estrelado
os buracos do céu em adoração
guerrilheiro da magia sagrada?
Ave quinta chaga de Cristo:
o serafim científico executou
o rito
de angioplástico gozo: projétil metálico
Ante-sala da iniciação — stent no coração —
fuso a fuso parafuso a
parafuso
penetraremos no
paraíso?
Buraco de agulha — eis a porta estreita
da artéria — chave da compaixão
Por esse buraco passaram e passarão
Franciscos e Pios o vício e o perdão
Nos canais interditados das veias
navegam uníssonos o mau e o bom ladrão
Vede os estigmatizados da razão
e o mistério
decepado de asas
Ninguém transformará em devoção
os estigmas dos
endurecidos corações
clamando onipresentes à rigidez do músculo:
— “afastai a pedra do sepulcro!”
Venerado com catéteres e adrenalina
o corpo
cambaleia nas estações
Ora a nicotina: “ópio do povo /
vício do todo /
cinzas de maria”
A serpente com as presas de metal
envenena-me com
a seta do aguilhão
Na caverna do peito — fenda
da rocha — o poço da paixão
3 da tarde: as angustiadas badaladas
da máquina gritando manutenção
Arame farpado: a chaga da terra
a natureza submetida à corrupção
Ferido por minhas próprias transgressões
dilacerado
pelos meus pecados
minhas feridas jamais
me curarão:
pingue nelas o sangue
do crucificado
Quem reerguerá esse
templo de paixão
consumido em desejos e
desolação?
Consagrei o corpo
em flor
às obras em suor do amor:
mão direita — realeza
mão esquerda — beleza
pé direito — profundidade
pé esquerdo — busca da verdade
Mas o coração milagre da criação
sofre o abalo da gravitação
a queda da
eterna árvore
Entre o elástico e o esclerótico
lançou-me o peito a um voo egoico
— estreito céu — fatídica ave
Extenuado em vasoconstrição
quem
reconciliará meu coração
com a senda do amor e compaixão?
Só o crucificado — sursum corda —
alargará os afluentes
envenenados
jorrando sangue e água da misericórdia
Ser conduzido pela claridade
aprender com a fonte a sobriedade
como o lírio curvar-se à castidade
eis minha precária humanidade:
a água condutora de eletricidade
fogo espalhou à chama da vaidade
Celebrei-te ó fragmento
sob as colunas
do templo
Prisioneiro do tempo e
vento
ergui-te fáustico monumento
Hoje ardendo em
fragmentação
aspiro ao sol da união
Desta sexta-feira sou o crucificado
clamando ao meu anjo os seus cuidados
Coração novo Caminho novo
Cântico novo Mundo novo
Complete o céu a grande obra
de quem na vida suportou ígneas provas
Do amor a via sacra negativa
seja transmutada a chaga em água viva
Pai glorifica os meus fracassos:
no peito habite o sagrado pássaro
Ó mangueiras do Sítio do Físico:
sobre vós derramo o meu espírito
OFERTÓRIO
Quando fores a São Luís aquece o teu coração:
enverga a
jaqueta gris e leva a flor
entre as mãos
Indaga à rua do Giz e aos sabiás de plantão
pela alegre codorniz que morreu de solidão
Chama um menino feliz do Coroado ou Pespontão
pra abençoar a cicatriz e dar asas à rejeição
Quando fores a São Luís
ajoelha-te em oração:
encontrarás na Matriz
meu corpo de ressurreição!
Luís Augusto Cassas
In A Poesia Sou Eu, vol. 2, p. 550
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