quinta-feira, 21 de novembro de 2013

FINAL DE TEMPORADA








Ninguém poderia ter vivido exemplarmente

a minha própria vida, melhor que eu!
Quem representaria com tanta perfeição
o imperfeito papel do fracasso e do êxito,
do prazer e da dor, do caos e do sublime,
na profunda necessidade de ser eu mesmo?
Quem, além de mim, viveria plenamente,
tantos personagens simultâneos e múltiplos,
_ Dom Quixote, Hamlet e Fausto _
com mil riquezas de significados
no espaço / tempo de um dia / noite de existência?
Quem representaria com tanta fidelidade,
no palco interno-externo de suas paixões,
a humana comédia da vida,
sabendo que o existir é drama e tragédia,
e para outros, morte e ressurreição?
Bravo! Bis! Cansei de ser aplaudido!
Nenhum prêmio de consolação ou incentivo
pagaria os direitos autorais
dessa interpretação solitária e única!




Quem saberia ter convivido

com o excesso e a carência do real e do ideal,
do amor e da morte, da alegria e da dor,
dividido entre a realidade e o sonho,
e mesmo assim, não se deixou substituir,
e ainda assim, não se deixou fracassar?
Só eu mesmo poderia ter representado
esse papel de ser eu e ter estado em mim,
e não ter ficado absolutamente louco!
Sou um especialista em naufrágios
porque conheço a superfície e o fundo de mim:
portanto, aceito alunos para falar de naufrágios.
Mas não me vicio em drogas. Só em liberdade.
Meus psicotrópicos? as tensões da vida.
Tenho muito tempo para dormir
quando chegar a eternidade.
Sou um personagem que cansou de ser autor
e busca um ator para nova mensagem.
Portanto, aceito novos papéis,
pela possibilidade de incorporar significados!
No palco e na vida, não enjoo mais:
o que sobra de mim é a carência de ter sido
e o que falta é o excesso do realizado.
Tudo para mim tornou-se lucro:
por isso não mandem mais flores para o camarim
nesse final de temporada.



O único papel foi ter sido sempre eu mesmo

e a única glória foi representar
- bem ou mal - a própria vida inacabada.
Fi-lo, porque tinha que ser feito, enfim:
e o que foi feito só poderia sê-lo, por mim.
O que eu sou é apenas uma  amador:
um homem clamando em desespero por Deus
na luta incessante contra o anjo do destino. 





Luís Augusto Cassas

In Liturgia da Paixão, p. 136

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