segunda-feira, 4 de novembro de 2013

O DISCURSO DE LILITH NOS LENÇÓIS DE OR



(Gasolina & Chantilly para o meu Odiado)




1
Na escuridão do Universo cravejado de sangue de ametistas e esmeraldas refulge o meu clarão Filha da noite trago no corpo o incêndio dos vulcões Eu sou a santa loucura que enlouqueceu Nietzsche e lançou ao Rio Estige os profetas de todos os tabernáculos Uma constelação de deusas afogou-se em meu sangue quente Todos os sóis apagaram-se no vapor da minha pele morena Da minha boca saem serpentes e dragões desfiguradores de todos os mistérios.
Exorcizei no umbigo os ideais da luxúria para temperá-los no caldeirão das iniciações Às portas de Babilônia meu coração foi arranhado por leões mas mantive-o poderoso e pleno para ofertá-lo ao vencedor que ultrapassasse os portais do Hades e assassinasse os demônios da minha solidão Eu sou a que ficou com os seios insones à espera da primavera e preservou a concha dos quadris para o bárbaro ataque do Desespero e Beleza mais recôndita
Do meu sexo explodem galáxias tresloucadas Da minha menstruação escorrem os cavaleiros da Discórdia e do Destemor Quem romperá o véu do meu mistério e expulsará a insidiosa Ísis para a cama profana das desrevelações? Sou a que nasceu & morreu & nasceu mil vezes para o cumprimento da realização amorosa do destino Sou a que enterrou na poeira do enxofre e do desprezo os imperfeitos tolos que aspiraram ao sol negro que dorme dentro de meus seios.



2
Rigor — não misericórdia — eis o alimento nutridor da Beleza Planeta em órbita na perfeita geometria do destino força e arbítrio comandam as estrelas da minha criação Excita-me o previsível Masturba-me o determinado Poder e força eis os nomes dos dois cavalos que governam a minha aventura de viver O inesperado sempre foi um anjo manco pedindo esmolas às portas da minha exata consciência.
O coração é o refúgio dos tolos O sentimento morada da fraqueza A esperança lixo reciclado matéria-prima do orgulho e da vontade Todo o resto é miragem Devaneio poético Inflação do sonhado.
Eis que a Morte vem montando tigres de fogo e lençóis de fúria Vejo seu rosto maquilado de ternura e descontentamento Esfinge de carne e osso deponho os véus e armas de Atalanta a que reside em mim e emprestou-me a couraça da perfeição para afugentar os afilhados de Eros Ó sangue! Fugi dos leitos das veias do coração! Ó abismo — plenificai o meu vazio! Tudo o que temia ser — revela-me o espelho — já iniciada estou Meu nome é escândalo script de novela mexicana encarnação dessa palavra ridícula chamada Amor! Profecia! Inauguraram-se os meus dias de inglória!



3
Quem acende as gambiarras do meu desejo indicando o necrológio do meu martírio e o enterro do meu desfalecimento? Quem estrangula os meus receios desencanta os meus fantasmas distribui os anéis da ansiedade e rasga o luto milenar do meu enclausurado silêncio?
Eis que malvindo bem-vindo vem Dá-me o batismo do gozo e o sacramento profano mais intenso Rasga os meus mais secretos oráculos Penetra no abismo das profanações Acende as trombetas do meu paraíso interior.
Traz nas mãos a ternura inflamável de um príncipe banido e a violência de um terrorista do sublime Toca-me os seios como crisântemos Desfolha as lágrimas dos meus olhos e as desterra para a Constelação do Grão-Cão Seu veneno é o antídoto da minha tristeza Sua arrogância a humildade do meu amor É o meu garoto com sua espada a cem Meu Eremita e minha Torre Meu Diabo e meu Renascimento Besta humana sou sua puta sagrada — Helena Afrodite Atena e Penélope em chamas - de quatro na cama da noite do Universo em aflição.


4
Meu amado me odeia com seu mais puro rancor Marca de roxo e rosa minhas costelas Acende lâmpadas de mil volts em meu desejo Desaloja ninfas dos meus seios interdita o território do meu sexo De decúbito ventral impõe-me trabalhos forçados Despede-me o rubor Ateia fogo em meu vestido Tortura meu corpo em brasa.
Ridícula sou quando estou próxima ao meu odiado Arranca-me as asas Tempera os meus lábios com sua saliva viscosa Cadela no cio revira a lata de lixo come as minhas sobras Escolhe-me pelos meus dentes igual égua em supermercado Nas pérolas do seu esperma sou alfazema derramada Na cama abro as pernas e rezo para que morra Caia napalm em seu pau Mas temo nunca mais ficar envergonhada.
Meu odiado é lindo como um genocídio de papoulas e sublime como um coquetel molotov arremessado sobre a minha casa Dos seus lábios floresce a canção do abismo Ávida sou devorada pelo seu sarcasmo Risca como página a minha pele avara Ameaço o suicídio tomando gasolina & chantilly Trágico ri da minha cara
Detestável é o meu ardor quando estou distante do meu amado Masturbo luas em lençóis de cetim Corto o sexo com gilete pra que fique desesperado Inauguro sorriso de batom negro nos lábios Ardente pulsa minha vagina louco Stradivarius! Mas só ele desperta em mim a fera que dorme acuada Inflama o meu mais puro desdém De caos deixa o meu rosto decorado Meu odiado é o Rei do meu Medo e o Senhor Absoluto de todos os meus chacras O Demônio-Javé que reina em meu pânico e em meu suor O que incendeia as florestas do meu corpo só pra ver a sua fera iluminada.



5
Acesa em delírio sou planeta fora de órbita maçã devorada Seu desejo em chamas acende ruínas na minha carne desolada Meu orgulho torna-se chá de abismo Minha perfeição — erótica vadiagem.
Sou Sodoma saqueada Paris desfigurada Berlim destronada Londres transtornada.
E maldigo os burocratas do céu — 1 bilhão de anos-luz sem poesia e em desterro cósmico — poder purificar-me na mais suja transcendência arder em línguas de fogo enlamear-me da luxúria desse amor que em sua ausência mais divina é a própria essência do mistério do Crucificado.


Até ontem fui Noite.
Meu nome é Luz





                 Luís Augusto Cassas
                 In  A Mulher que Matou Ana Paula Usher, p. 68

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