segunda-feira, 31 de março de 2014

ODE A NETUNO





Nirvana dos drogados
Estrela-guia dos hippies e lunático
Patrono dos bêbados  e desesperados
Porteiro do Sanatório Cósmico
ora pro nobis
Trago nos olhos a tua assinatura cósmica
de tanto mergulhar nos oceanos de álcool
um jeito displicente de lágrima em supermercado
como a visão crucificada dos primeiros cristãos


Pelo fruto se conhece a árvore
Pelo peixe se conhece o mar
a 3 bilhões de km da Terra
tua vibração diluviana e sutil
faz girar a minha constelação interna
e enlouquecer a órbita de todos os planetas
qual depósito de lixo cósmico despejado na alma
OAN
NOA
HOA
MANU
POSSEIDON


Grão-mestre da ilusão
por que abriste o céu como paraíso da volúpia
e pregaste o desregramento de todos os sentidos?
(Não sabias
__ assim como o flash da fotografia
descolore a tinta nos quadros a óleo __
o desejo exacerbado
afoga a alegria no homem?)
E assim naveguei e naufraguei
por mares de álcool e dor nunca navegados
disfarçado no vapor do êxtase divino
Eros infantil buscando o amor idealizado
nas paisagens femininas do sexo dos anjos
na cama da eternidade
como um guesa errante entoando a melodia do desejo


Grande Iniciador
fizeste-me cansar das coisas desse mundo
ao dissolver-me o inconsciente
na turbulenta fronteira entre a fantasia e a realidade
onde a verdade e o erro _ como diz o poeta Rumi _
são separados apenas por um fio de cabelo
(Pela educação do sofrimento fui transportado
para o roteiro sacrificial a que me indicavas)
Em tudo te revelaste um Mestre
Se me deste a paixão dos suicidas
mostraste-me em seguida o amor universal
Primeiro a paixão
Depois a compaixão
Primeiro a diluição dos sentidos no mar da ilusão
Depois o inconsciente resolvido no oceano da
compreensão
Pelo excesso abriste-me o caminho da renúncia
antes cobra
depois corda de salvação


Mas compreendi depois
que por trás de tudo estava o Amigo
O Amigo que escreve com as letras das estrelas
o convite
para até o mais extraviado dos seres
vir à sua mesa
sorver o vinho cósmico da alegria e união
sem a embriaguez das alturas


O Amigo cuja misericórdia e rigor
são sempre maiores que a nossa ira
e espera até o final dos tempos
pela oportunidade do reencontro





Luís Augusto Cassas
In A Poesia Sou Eu, vol. 1, p. 299




sexta-feira, 28 de março de 2014

A NOITE LONGA DO POETA


                                                                                                          a Ivan Junqueira


que incêndio ou prece
lavra em pleno quarto
girassóis na face
do meu sobressalto?


que estranho van gogh
pintou esse fogo
embuste do logos
mistério do logro?


queima-me os lençóis
queima-me o peito
acende os meus sóis
de napalm no leito


quem riscou o fósforo 
do insano milagre
- escrita no bósforo -
consciência em zinabre?


quem ateou o fogo
e alteou a centelha
assando-me no lago
da mais ígnea ceia?


é o aflito deus
que preside em mim
as glórias do céu
do inferno o estopim


é o anjo e demônio
- mistério e mister -
milagre do ozônio
fero lúcifer!


é o santo verbo
com seus mil neurônios
cozinhando os nervos
fritando-me os sonhos


lança apocalíptico
diesel ao madeiro
desfila alegórico
o corpo dos bombeiros


explode os ritos
da água pesada
imprime no espírito
sua fúria sagrada


assa-me em brasas
a carne e o poema
renasce-me as asas
no fogo dos temas


soca o arrozal
teu pilão de sol
purifica o mal
lepras do arrebol


cicatriza o fel
nas chamas do laser
derrama o mel
na taça do ser


sopra tua luxúria
cavalos de força
acende a fúria
dos puros na forca


quem inventou o poema
bicho ou deus da noite
elegeu a pena
sol maior que a foice


enquanto arde a messe
sua espiga fáustica
o corpo amanhece
em vigília cáustica


deixando entrever
no inflamado bonzo
a glória do ser
em línguas de gozo


acendam ó meus sóis
pela vida inteira
chamas dos faróis
temas das fogueiras!




Luís Augusto Cassas
In A Poesia Sou Eu, vol. 2, p. 461






quinta-feira, 27 de março de 2014

A NOITE ESCURA DA ÁGUA




1
cuidado com a água parada
pra que não a cultivem as larvas
e o mal em bolhas chocado
o inverno atraindo o inferno
em larvas queime o cuidado
porque o amor não é amado

sob a água sob a terra
úmido empoça o passado
multiplica-se o olvido
à luz do sol coagulado
surge o lago putrefato
porque o amor não é amado

articulando a linfa
a profundidade empalha
reproduzindo os miasmas
suspira na água afogada
o coração asfixiado
porque o amor não é amado

bastaria uma palavra
anticoagulante e alga
ou a luz da estrela d'alva
constela-se o espelho em névoa
acende velas a treva
porque o amor não é amado

mas onde o amor é amado
brilha o mistério da alba
lava o espírito o intelecto
ressurge a vitória-régia
no coração do regato
circula o céu entreaberto


2
minha santa depressão
padroeira da escuridão
que preces rezas ao coração:
"...amar demais é em vão...?"
ouve a santa compaixão
na liturgia do perdão:
"...os outros amar como são..."
"...amar jamais é em vão...!"


3
quando os ventos do verão
enviarem-me as folhas mortas
quando o antigo caminhão
despencar na fria encosta
quando a sombra da emoção
derramar como compotas
_ despejando ao rés do chão
mágoas medos e suas polpas _
desperta: é a revisão
que gentil te adentra as portas
acolhe-a no coração
curva-te à sábia proposta
findo o prazo à correção
choverá em tua horta


4
compaixão eis teu mercado de trabalho:
orfanatos feiras penitenciárias hospitais
horas extras c/ creches e extraviados
plantão a marinheiros de último naufrágio
mas guarda minuto de precioso tempo
àqueles privados do sol da própria casa
liberta-lhes o fogo trancado nas gargantas
deles o sopro inflará tuas narinas
lançando-te ao oceano mais profundo




Luís Augusto Cassas
In A Poesia Sou Eu, vol.2, p. 285



terça-feira, 25 de março de 2014

A PELEJA DA SERPENTE E DA POMBA NO ESTÁDIO CÓSMICO LUZ E SOMBRA

OU A
DISCUSSÃO DA GRAÇA E DA ELETRICIDADE
NO QUINTAL BIFOCAL DA CLARIDADE





INTRODUÇÃO DA SERPENTE
AO LEITOR

Não sei por que às portas de Binah
fisgou-em a atração de Chochmah
trazendo no reflexo da quimera
o que do espelho brilha  a bela e a fera
Da pia batismal leia-me Nahash
e a outra a virgem a santa a  Shechinah
Eis afinal a verdadeira fábula
em que o mal e o bem lavam as velhas mágoas


A SERPENTE:

__ Dize lavanderia da esperteza:
por que o branco sendo a cor do puro
lavas a roupa diária intramuros
como se exorcizasses a tua pureza?
Tens a pálida neurose do sol
que a tudo encobre o claro lençol
A que vens: seduzir ou converter?
O fogo imortal queime-te o ser!


A POMBA:

__Desenrola o teu negro intelecto
permite desembarque o meu espírito
Enquanto te arrasta pelas urzes
solto velas brancas no céu em cruzes
Sou omo total  És petróleo bruto
Governa sobre nós o Absoluto
Tens a profundidade Eu a altura
Dissolve no veneno a amargura


A SERPENTE:

__Eu sou da luz a eletricidade:
o vapor a descarga a claridade!
Sustento há éons o fogo nas alturas
aquecendo o intelecto na noite escura
Todo progresso da ciência e a cura
oram por mim nos templos da usura
Vê: nem o dia escapa ao meu fascínio
às igrejas e shoppings ilumino!


A POMBA:

__Quem hasteou o sol na criação
e acendeu no homem o coração?
Quem deu à vida a contribuição
de tornar sábias a fé e a razão?
Sutil apreendeste a branca magia
tornando-a espessa por analogia
Do sol a sua total irradiação
converteste-o à nuclear fissão


A SERPENTE:

__ Reconheces a contraparte ativa
coagulada à natureza viva?
Decompus as estrelas em mil átomos
e fiz da explosão fiéis apóstolos
Na sombra da graça te movimentas
lançando-me dos créditos a descrença
Teu canto de cisne fere-me as luzes:
também o bem ao mal dispara obuses



A POMBA:

__ Quem paga a conta da humanidade:
a luz da graça ou a eletricidade?
A minha luz é pura e virtuosa
tornando as cinco chagas puras rosas
A recompensa ao bem que nada cobro
é o mal que a tua luz recebe em dobro
Mas o sol lançando às sutis esferas
irradia o prazer e o sol da guerra


A SERPENTE:

__ Por que metes o bico em meu zodíaco
se nem te sabem as penas os outros bichos?
Tua magia é pouca A voltagem fraca
Recarrega as baterias ora gastas
Ninguém chega ao céu senão por mim
faísca na verdade o estopim
Nas noites do Sinai ou Everest
resplandeço igual ao Empire State


A POMBA:

__ Brincas com o fogo e mal conheces a pólvora
gera a luz o mistério da palavra
A eletricidade é irmã do sexo
a força esgota em mortal amplexo
Oceânica a graça se espraia
multiplicando as marés da energia
O que proponho a ti é um novo pacto:
a abertura do círculo em um ato


A SERPENTE:

__ Se Deus for o Diabo e o Diabo for Deus?
E se o azul do céu for apenas breu?
Pode o cordeiro pastar com o leão
e voarem juntos perdiz e gavião?
No intrincado jogo das essências
pra que mudar a pele das aparências?
A tua presunção noiva é platônica:
envia flores para a bomba atômica!


A POMBA:

__ Rainha dos disfarces da alquimia
separa a técnica da sabedoria
Inverte o fluxo da polaridade
cooperando à nova gravidade
Permita que batize em fogo e água
os colaterais efeitos das tuas larvas
Compensa à graça a iluminação
furtada à energia da criação!


A SERPENTE:

__ Crismou-me tola e frágil a natureza:
rebelar-me não ouso à correnteza
Abandonar controle e constrição
frustrar seria a divina missão
Reabro o círculo e deponho a guarda
desde que bata as asas em retirada
Prudência cale a língua em água quente:
misericordiosas são as serpentes!


A POMBA:

__ Celebre a claridade o amor profundo
e o amor reate o espírito ao mundo!
Das obras do sol reaprende a lição
libertar das trevas o coração
Crucifica a vontade de poder
e ressuscita a vontade de ser
Se no jardim à flor protege-lhe o espinho
o mal é sempre um bem vindo a caminho



CONCLUSÃO DA POMBA

__ Debaixo do teu suntuoso couro
plantou-te o criador belo tesouro
Quanto a mim pássaro de fino agouro
o que reluz em mim é a flor do ouro
Quer vistamos tentáculos ou asas
somos figuras da magia sagrada
Na vida real ou em contos de fadas
dirige a obra a bem aventurada




Luís Augusto Cassas
In A Poesia Sou Eu, vol. 2, p. 534



segunda-feira, 24 de março de 2014

CAIXA DE SEGREDOS




O amor é um ponto cego
(o olho de Deus o vê)
Só despedaçando o ego
Poderemos perceber

O amor é um buraco negro
sem domicílio e brevê
Só mergulhando sem medo
poderemos vir a ser





Luís Augusto Cassas
In A Poesia Sou Eu, vol. 1, p. 369



sábado, 22 de março de 2014

BORRACHARIA DO AROUCHE (40 GRAUS)






Sol de látex
Calor importado pela Pirelli ou Goodyear
de alguma floresta amazônica ou africana
(temperatura ideal
pra ler Dante no original)
Os pneus feridos renascem com suor
na incubadora da máquina de recauchutar
Até o vil metal
derrama uma lágrima tropical
Menos Rita apenas Rita
pose felina na folhinha de calendário
permanece bela e refrescante
igual a um boeing sacudindo as estrelas
Marylin Monroe mulata tão gata
que a fotografa descolorida
traz de longe o cheiro do seu sexo
e a multidão é mosca procurando açúcar
excitada na febre humana de viver




Luis Augusto Cassas




sexta-feira, 21 de março de 2014

A ARMADURA




foi bem de família
herança dos antepassados
que a ergueram e lustraram
à luta da existência

combatente de séculos
um rombo à altura do peito
esconde a feria interna
sob a glória conquistada

mas quem rútilo a ocupa
sente-se preso ao desígnio
de ostentá-la como troféu
submergido na lata

romper um dia a couraça
é o pesadelo da máscara
onde cintila florida
a trincheira da última brasa



Luís Augusto Cassas
In A Poesia Sou Eu, vol. 2, p. 225


TAO DO PEDICURO CELESTIAL





quem segue 
o caminho dos opostos
tem os pés tortos
enviesados para dentro
cruzados pro centro

quem segue
o caminho do lado
tem os pés de pato
estilo dez pras duas
no meio-fio das ruas

quem segue
o caminho do meio
usa sapatos sem meias
pisa macio a folha
pra não espocar a bolha

quem segue
o caminho de baixo
os pés ficam um escracho
o chão parece um tacho
mesmo caminhando no capacho

quem segue
o caminho de cima
os pés logo afinam
o vento sopra onde quer
esquece logo mulher

em todos 
os caminhos da estrada
há sempre uma unha encravada
mas sigamos ouvindo os galos
ainda que nos cantem os calos



Luís Augusto Cassas
In A Poesia Sou Eu, vol. 2, p. 197



terça-feira, 18 de março de 2014

ODE A URANO

                                                                                                  a Gerana Damulakis


1
Mente de Deus
abençoai
os cristais de rocha
da Consciência Cósmica


Revolucionai
o pensamento do todo 
trazei o novo 
despedi o antigo

Abri os canais
à viagem 
do
inconsciente coletivo
Convocai
os sete espíritos
ao conselho da tribo

Derramai o essencial 
libertai o cativo
expandi o sentido

trazei o extraordinário
à Era de Aquário
toque o raio de Urano
o mercúrio humano

quebrai o ovo 
trazei o novo
ao povo

decretai radioativos
o orgulho e o egoísmo
tornai-os inimigos
do pessoal e coletivo
mas reverenciai 
no todo
a manifestação do Amigo
celebrai
tudo
o que é vivo

de Gaspar
mago-rei
conexão c/ o ar
novo pensar
aos lábios trazei

poluição cessai
a guerra findai
perfumai o tempo
a fumaça ao vento
seja puro incenso

revitalizai
o dom das línguas
compartilhai
profecias
reinventai
a alegria



2
Homem
mergulhai no interior
invocai
mercúrio superior
revolucionai
ao seu redor
criai
um mundo melhor



3
sirvamos
à causa
da vida
só há uma
revelação
o ser-a-vir
só há uma
revolução
servir



4
Mente de Deus
gratos somos os humildes
por compartilhar-nos a verdade
do sonho de liberdade
— nova paideia
dna das ideias —
tornando terrena
a missão fraterna
de servir à humanidade






Luís Augusto Cassas