quarta-feira, 30 de abril de 2014

SEXTO SENTIDO



dizem (e eu
também digo)
que tudo
tem sentido


e embora
escondido
 brota
a flor
 azul
do signo
no perfume
do vivido


mas (também)
pressinto
num átimo
de íntimo
sob as aporias
do oblíquo


(onde tudo
é relativo) que nada
tem sentido


e confuso
observo
em parafuso
nas escuras regiões
da alma
onde o não-brilho
revoga o pistilo


que tudo
permanece
no exílio
como um grito
no granito
e esse traço
(pressentido)
por sinal
(igual ao fósforo
Aceso
no bósforo
em noites
de frio)


é o único
permitido
 entre nós
— vis
— mortais —
e Ele
que escreveu
o Livro


em eras
remotas
a senda
dominava
a cena
(e a imaginação
 excitava
os umbrais)


hoje meio odisseu
meio créu


meio joio
meio trigo


não
me torturo
mais


tornei-me
meu próprio sentido
 nada mais

\



Luís Augusto Cassas



terça-feira, 29 de abril de 2014

EDITAL PERFUMADO DA CASA CHRISTIAN DIOR


(a uma francesa equinocial)



eu Jane Dune
musa
da parfumerie Dior
declaro cinco gotas
de essência
do mais puro amor
a Luís Lavanda Inglesa
em cujo corpo
brilha o meu suor





Luís Augusto Cassas




domingo, 27 de abril de 2014

O RETORNO DA AURA





1
Onde estão os teus poetas
América
que não cantam a verdadeira luz do dia
os aéreos campos de toda a memória
os jardins suspensos da beleza e da verdade
a primavera de todas as estações?


Perderam-se na fascinação noturna
na contemplação da constelação do próprio umbigo
na babel ultrapanorâmica do shopping das vaidades
na música ensurdecedora das máquinas de calcular
na miragem sonâmbula dos efeitos coloridos do néon
na viagem easy rider dos sonhos pasteurizados
como se a verdade fosse um chiclete de menta
salivada no último poste do drugstore da alma
Ah! é necessário desligar todas as máquinas
para que a consciência reaprenda a falar
e o ouvido se eduque à voz do coração!



2
De que tipo de matéria é feita a ilusão?
De que tipo de essência é a sua substância
para eclipsar a inteligência de tão muitos
e ofertar como luz o que na realidade é escuridão?
Quantos véus será necessário desvelar
pra que o olho interior possa avistar
o espírito movendo-se na face das águas?
Percebes (apenas) a brisa do ar-condicionado
mas não sabes de onde sopra o espírito
nem pra onde vai
Ginsberg percebe a verdade
escreve a “Ode Plutônica”
e se converte ao Zen
Isso é solar
Mas Haroldo de Campos (e sua enteléquia)
traduz “O Eclesiastes” e “A Cena da Origem”
e não percebe o principal: a luz espiritual
Isso é lunar
(Vide Cabala Judaica à disposição
em todas as bibliotecas
e livrarias especializadas)


Porque perdeste a inspiração
e trans-piras por todos os poros
choras como bezerro desmamado
e o poema chega como overdose de nada


Vê:
Todas as grandes obras
são fruto da inspiração:
Gênesis Tao Vedas Fausto
Dela sabiam Rumi Attar e Kabir
no Oriente
Shakespeare Dante e Goethe
no Ocidente
Eles sabiam beber na fonte
e sua poesia nunca seca


Se lhes é cara a verdade
meu sofrimento tornou-a gratuita
Mirai-vos em Baudelaire:
“— É preciso embriagar-se de vinho
de poesia e de virtudes”
E em Rimbaud:
“— A modernidade é o transitório
o fugaz o contingente
a metade da arte cuja metade
é o eterno e imutável”
Era líquido e certo:
(ah o inefável poder da água)
eles sabiam que havia algo mais
Mas infelizmente não chegaram à fonte
Confundiram o vinho místico de Khayam
com o vinho fermentado das adegas de Montmartre
E toda a eternidade
sempre foi modernidade


Porque é necessário que um poeta humilde
— desses que cultivam a humildade
não com devoção
mas com drummondiano constrangimento —
nascido (não em St. Louis)
mas em São Luís do Maranhão
onde o vento faz a curva
e a ilha é parada , final
de urubus e aviões
(daí perceber de onde sopra o vento
e pra onde vai)
vos dissesse essas verdades jupiterianas
como conversa de pé de ouvido
entre um corpo e outro corpo
entre um espírito e outro espírito



3
Cansei da tua noite América
Meus pesadelos agora são diurnos
Minha loucura é a paranoia dos ascetas
Minha megalomania é a dos idiotas do eterno
Todas as nuvens estão em meus cabelos
e a lua foi digerida pelo sol da garganta
Todas as viagens são para o centro
e já posso divisar as estrelas e os cometas
no movimento cósmico entre as veias e o sangue
Não te exijo temas caros a poucos:
o livre-arbítrio do homem
a origem da vida
a finalidade dos seres vivos
pois nossos fusíveis sensíveis
poderiam explodir ao contato de tanta luz


Troquei a altura do Empire State
pela minha consciência
e o ideal do super-homem
pela aspiração do justo
Não mais o eterno retorno de Nietzsche
o anel de núpcias com a eternidade
Quero apenas a minha quota de luz
e o descanso em algum lugar do azul!



4
Eu quero a minha aura
escurecida na perda do amor pelo prazer
vilipendiada pelo elogio do ressentimento
em lugar do perdão
obscurecida pela cobiça em vez do desapego


Eu quero a minha aura
com a liberdade do ser e não a prisão do ter
com a humildade dos simples e não o orgulho dos tolos
com a alegria do dar e não a melancolia do reter

Eu quero a minha aura
ensanguentada pelos crepúsculos
de Dachau e Bombaim
purificada pelo sabão da verdade
e não o detergente da mentira
fragmentada pelas ideologias de falsos
profetas e poetas


Eu quero a minha aura
prostituída nos bordéis do materialismo e da solidão
apagada no conflito nuclear entre o ser e o nada
trucidada na guerra santa da falsa sabedoria


Eu quero a minha aura
submetida a cárcere privado pelo álcool e nicotina
estilhaçada por megatons de ódio e temor
corrompida pelo amargo pão dos tratados de paz


Eu quero a minha aura
destruída pela quimioterapia da ingaia ciência
anestesiada pelos paraísos artificiais
que me fizeram esquecer
que sou parte integrante da natureza e da criação


Eu quero a minha aura
viciada pelo ópio da tv e as falsas mensagens de fraternidade
endurecida pela arteriosclerose da egolatria
bombardeada pelas guerras civis militares e eclesiásticas
em nome de Deus mas financiadas pelo Diabo


Eu quero a minha aura
aniquilada pela angústia da perda da vontade
marcada a ferro e fogo pelo napalm da culpa e do erro
crucificada à direita entre as trevas e à esquerda a ilusão


Eu quero a aura
eu quero a aura
eu quero a aura
resgatada do lodo
de toda ignorância
renascida do pântano
de toda sedução
ressurgida pura e simples
como o incêndio da beleza
nos tempos em que o sol morava
no coração



5
Lua de Laforgue! Mallarmé Jorge Luís Borges!
Lilith Juno e Hécate! Lua de Gurdjieff!
Lua assassina de Maiakovski e Lorca!
18 Brumário da Racionalização!
Olho mau do céu! Lua dândi de Frost!
Caranguejo estelar! Karma dos poetas!
Lua de Marinetti Leopardi Walt Whitman!
Lua neurótica de Pound! Lua na sarjeta
dos boêmios de Montparnasse!
Sacerdotisa da matéria!
Breviário da inquisição da consciência!
Lua dadaísta-cubista-impressionista
de todos os poetas vampirizados:
essa é a tua última evocação!


A partir de hoje
Fica estabelecido
na simbologia da criação
que o sol é que é dos poetas
e (agora) está completa
toda a operação do Sol!







Luís Augusto Cassas





sábado, 26 de abril de 2014

O PENSAR E O SENTIR



pensar
acolhe o todo
sentir
dá sentido a tudo


pensar
é heidegger
sentir
francisco de assis


pensar
voa em uma asa
sentir
caminha sobre águas


pensar
é ser
sentir
você


pensar
aumenta o tesão
sentir
acordes do coração


pensar
torna-o frugal
sentir
delírio e carnaval


pensar
solta balões
sentir
fogueira de são joão


pensar
exorciza políticos
sentir
engendra místicos


pensar
brinca no coqueiro
sentir
banho de cheiro


pensar
arremessa
sentir
é pura sesta


(o sentimento
quer ser ágora
o pensamento
 galáxia)


mas quando o pensamento
namora o sentimento
tempo e vento
são puro entretenimento


pensar
ergue-nos sobre a desventura
sentir
libera toda a ternura






Luís Augusto Cassas
In A Poesia Sou Eu, vol. 2, p. 554



sexta-feira, 25 de abril de 2014

A CHEGADA DA LUZ





Dei pra me emocionar
quatro cantos da alma
cisco no olho água de piscina
Roo meu dilúvio como posso
Quem derramou esse oceano
pra enxaguar o sol?


Uma história de amor
não é só o romance do amor
é mais que a memória do amor
não fosse a biografia do suor
ainda assim seria o amor
narrando as suas estórias


Silêncio: ouve o rumor
segredos do espinho à flor:
— tudo gira ao redor
de uma história de amor!
— adão e eva?
— novela de amor
— luz e trevas?
— drama de amor
— bela e a fera?
— alquimia do amor
— a noite escura da alma?
— a iluminação do amor
— a sabedoria e a loucura?
— os dois caminhos do amor
— o velho e o novo?
— os ciclos do amor
— o infanticídio de Kosovo?
— o assassinato do amor
— a explosão das galáxias?
— a energia do amor
— a via-crúcis e a Via Láctea?
— a grandeza do amor
— a rebelião de lúcifer?
— o orgulho do amor
— o homem e a mulher?
— o eterno renascer do amor


eu não sou meu país meus pais minha
família minha casa minha religião meu carro
minha conta bancária minha arcada
dentária minha glândula pituitária


eu sou o cordão umbilical do sol o sonho da luz
a morada do ser o pássaro e a asa
a origem e o original a água e o sal
a família planetária a flor azul de belém-efrata


— quem és? — sou eu não temais!
— quem sou? eu sou — sempre e jamais!
candelabros em fileira:
derrete-se o coração
à causa primeira







Luis Augusto Cassas
In A Poesia Sou Eu, vol. 2, p. 556



terça-feira, 22 de abril de 2014

A BUSCA DO MITO (pintando quadros)





1
não serás jeanne
hébuterne
hôpital de la
charité
voando          pela janela
até                 modi

nem clara
de assis

nem eu 
francisco
(casados em espírito
devotos pelo serviço)

nem
penélope
tecendo luas
ao retorno
de ulisses

nem gala
(dólar)
aguardando
dalí: seu sonho
de consumo
(no lar)

nem 
frida khalo
ao seu encaracolado
diego:
"_ pés pra que vos quero
se não tenho asas para voar?"


2
dois loucos
numa noite suja de anima
lavando do karma a hybris

dois corações
apaixonados
brincando como leões no circo

duas ovelhas negras
clamando por pureza
numa selva de vínculos

o magnetismo do amor
arremessávamo-nos ao infinito
mas em nós espiava o bicho


3
ainda que caminhasses
pelas sendas da agonia
e o hades atravessasses
te faria companhia

seria o novo
em tua colmeia
seria teu povo
tu minha rainha

mas na noite escura
da nossa humana loucura
incomodados Deus
em sua ventura


4
por mais que calemos
o grito
somos
o mito inconcluído
                      o submito
                      q fugiu no
elevador de serviço
e mora - golen
romântico - entranhado
nas paredes do prédio
recendendo a saudade
                      e lixo

(aprendamos humildes
a lição do espírito:
arrependamo-nos do equívoco
repensemos nosso arbítrio)


5
somos a letra perdida
do alfabeto hebraico
talvez reencontrada
em novo sonho arcaico

somos o vaso alquímico
que não suportou o segredo
e ao fabricar o ícone
fugiu a luz entre os dedos

tua teologia negativa
cortou-me a cabeça da hidra
mas reconciliei-te com eva:
o coração de maria

a lua apagou o seu alfanje
o sol rompeu nos mirantes
em nome do amor perdoemo-nos
o que foi demais não sendo


6
alma gêmea
alma fêmea
paiol de lenha

pelas caligrafias 
do infinito
caminhemos

rumo 
a novas constelações 
e oceanos

sê o último portal
além do bem e do mal
até o amor real





Luís Augusto Cassas
In A Poesia Sou Eu, vol. 2, p. 355