domingo, 27 de abril de 2014

O RETORNO DA AURA





1
Onde estão os teus poetas
América
que não cantam a verdadeira luz do dia
os aéreos campos de toda a memória
os jardins suspensos da beleza e da verdade
a primavera de todas as estações?


Perderam-se na fascinação noturna
na contemplação da constelação do próprio umbigo
na babel ultrapanorâmica do shopping das vaidades
na música ensurdecedora das máquinas de calcular
na miragem sonâmbula dos efeitos coloridos do néon
na viagem easy rider dos sonhos pasteurizados
como se a verdade fosse um chiclete de menta
salivada no último poste do drugstore da alma
Ah! é necessário desligar todas as máquinas
para que a consciência reaprenda a falar
e o ouvido se eduque à voz do coração!



2
De que tipo de matéria é feita a ilusão?
De que tipo de essência é a sua substância
para eclipsar a inteligência de tão muitos
e ofertar como luz o que na realidade é escuridão?
Quantos véus será necessário desvelar
pra que o olho interior possa avistar
o espírito movendo-se na face das águas?
Percebes (apenas) a brisa do ar-condicionado
mas não sabes de onde sopra o espírito
nem pra onde vai
Ginsberg percebe a verdade
escreve a “Ode Plutônica”
e se converte ao Zen
Isso é solar
Mas Haroldo de Campos (e sua enteléquia)
traduz “O Eclesiastes” e “A Cena da Origem”
e não percebe o principal: a luz espiritual
Isso é lunar
(Vide Cabala Judaica à disposição
em todas as bibliotecas
e livrarias especializadas)


Porque perdeste a inspiração
e trans-piras por todos os poros
choras como bezerro desmamado
e o poema chega como overdose de nada


Vê:
Todas as grandes obras
são fruto da inspiração:
Gênesis Tao Vedas Fausto
Dela sabiam Rumi Attar e Kabir
no Oriente
Shakespeare Dante e Goethe
no Ocidente
Eles sabiam beber na fonte
e sua poesia nunca seca


Se lhes é cara a verdade
meu sofrimento tornou-a gratuita
Mirai-vos em Baudelaire:
“— É preciso embriagar-se de vinho
de poesia e de virtudes”
E em Rimbaud:
“— A modernidade é o transitório
o fugaz o contingente
a metade da arte cuja metade
é o eterno e imutável”
Era líquido e certo:
(ah o inefável poder da água)
eles sabiam que havia algo mais
Mas infelizmente não chegaram à fonte
Confundiram o vinho místico de Khayam
com o vinho fermentado das adegas de Montmartre
E toda a eternidade
sempre foi modernidade


Porque é necessário que um poeta humilde
— desses que cultivam a humildade
não com devoção
mas com drummondiano constrangimento —
nascido (não em St. Louis)
mas em São Luís do Maranhão
onde o vento faz a curva
e a ilha é parada , final
de urubus e aviões
(daí perceber de onde sopra o vento
e pra onde vai)
vos dissesse essas verdades jupiterianas
como conversa de pé de ouvido
entre um corpo e outro corpo
entre um espírito e outro espírito



3
Cansei da tua noite América
Meus pesadelos agora são diurnos
Minha loucura é a paranoia dos ascetas
Minha megalomania é a dos idiotas do eterno
Todas as nuvens estão em meus cabelos
e a lua foi digerida pelo sol da garganta
Todas as viagens são para o centro
e já posso divisar as estrelas e os cometas
no movimento cósmico entre as veias e o sangue
Não te exijo temas caros a poucos:
o livre-arbítrio do homem
a origem da vida
a finalidade dos seres vivos
pois nossos fusíveis sensíveis
poderiam explodir ao contato de tanta luz


Troquei a altura do Empire State
pela minha consciência
e o ideal do super-homem
pela aspiração do justo
Não mais o eterno retorno de Nietzsche
o anel de núpcias com a eternidade
Quero apenas a minha quota de luz
e o descanso em algum lugar do azul!



4
Eu quero a minha aura
escurecida na perda do amor pelo prazer
vilipendiada pelo elogio do ressentimento
em lugar do perdão
obscurecida pela cobiça em vez do desapego


Eu quero a minha aura
com a liberdade do ser e não a prisão do ter
com a humildade dos simples e não o orgulho dos tolos
com a alegria do dar e não a melancolia do reter

Eu quero a minha aura
ensanguentada pelos crepúsculos
de Dachau e Bombaim
purificada pelo sabão da verdade
e não o detergente da mentira
fragmentada pelas ideologias de falsos
profetas e poetas


Eu quero a minha aura
prostituída nos bordéis do materialismo e da solidão
apagada no conflito nuclear entre o ser e o nada
trucidada na guerra santa da falsa sabedoria


Eu quero a minha aura
submetida a cárcere privado pelo álcool e nicotina
estilhaçada por megatons de ódio e temor
corrompida pelo amargo pão dos tratados de paz


Eu quero a minha aura
destruída pela quimioterapia da ingaia ciência
anestesiada pelos paraísos artificiais
que me fizeram esquecer
que sou parte integrante da natureza e da criação


Eu quero a minha aura
viciada pelo ópio da tv e as falsas mensagens de fraternidade
endurecida pela arteriosclerose da egolatria
bombardeada pelas guerras civis militares e eclesiásticas
em nome de Deus mas financiadas pelo Diabo


Eu quero a minha aura
aniquilada pela angústia da perda da vontade
marcada a ferro e fogo pelo napalm da culpa e do erro
crucificada à direita entre as trevas e à esquerda a ilusão


Eu quero a aura
eu quero a aura
eu quero a aura
resgatada do lodo
de toda ignorância
renascida do pântano
de toda sedução
ressurgida pura e simples
como o incêndio da beleza
nos tempos em que o sol morava
no coração



5
Lua de Laforgue! Mallarmé Jorge Luís Borges!
Lilith Juno e Hécate! Lua de Gurdjieff!
Lua assassina de Maiakovski e Lorca!
18 Brumário da Racionalização!
Olho mau do céu! Lua dândi de Frost!
Caranguejo estelar! Karma dos poetas!
Lua de Marinetti Leopardi Walt Whitman!
Lua neurótica de Pound! Lua na sarjeta
dos boêmios de Montparnasse!
Sacerdotisa da matéria!
Breviário da inquisição da consciência!
Lua dadaísta-cubista-impressionista
de todos os poetas vampirizados:
essa é a tua última evocação!


A partir de hoje
Fica estabelecido
na simbologia da criação
que o sol é que é dos poetas
e (agora) está completa
toda a operação do Sol!







Luís Augusto Cassas





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