quarta-feira, 12 de março de 2014

ENTRE O PNEU E O PNEUMA



LUIS AUGUSTO CASSAS tem uma longa estrada como escritor em seus mais de trinta anos de atividade poética. Celebrado com dois volumes em A Poesia Sou Eu – Poesia Reunida (Imago, 2012), de valor incontestável, Cassas se define como “mestre em becos”, “phd em ladeiras e “ofm das águas Maranhão”. As vertentes exploradas por tais versos são muitas e originais, portanto, não se deixem engessar em apenas uma categoria estética, um corredor filosófico. Sendo assim, o poeta fisga o leitor, mantendo vivo o seu interesse pelos livros de Luís Augusto.


Por Gerana Damulakis

A poesia é “o caminho da totalidade” a ponto de ser considerada por você como a jornada de sua alma. Conte sobre essa jornada.
A poesia me chegou como um coquetel de água-pesada e água-viva. Meu trabalho foi aceitar o seu jugo, estar com ela, carregá-la, nutri-la, dialogar com o seu mistério, contemplar e viver a sua beleza transfiguradora, tentando oferecer respostas às minhas perplexidades e suas interrogações. A busca de horizontes e a produção de sentidos ampliaram o meu caminho.  Habitar poeticamente o mundo, passou a ser a minha maneira de ser e estar na existência. A partir da juventude, ela, a poesia, foi guia, amante, testemunha, confidente, consoladora, terapeuta e iniciadora. Através da aprendizagem e experiência - linguagem e viagem - fiz minha pequena luz no mundo. 
 Olho agora a minha Poesia Reunida, em 2 densos volumes, onde descansam vinte livros de poemas e percebo o quanto foi essencial a importância de sua presença em minha vida. E quanto ela sou eu. Em meu olhar interior, somos a fonte e o deserto na essência e reflexo de um do outro. E agradeço o longo aprendizado em que a sua cooperação e sabedoria ancestral me permitiu desenvolver, acessando níveis mais profundos da minha alma e do mundo. 
 Nos livros de poemas escritos, estão registradas a minha relação com a espiritualidade e materialidade do mundo, a convivência com os signos do amor e da paixão, a mitologia do cotidiano e do infinito, as travessias difíceis da alma em seu processo de depuração e expansão, as diminuições e acréscimos do vivido e sonhado, a cidade, a mulher, o erotismo, a ecologia, a solidão, a crítica da cultura e do consumo, as minhas multivivências interiores, o mergulho no inconsciente e seus anjos e demônios, a descida aos porões da infância para resgatar arquétipos familiares, até temas incomuns como as doenças – que Rilke não conseguia entender que fossem capaz de produzir dimensão poética - e o poema final que antecipa minha morte e o reencontro com a terra. 
 A clínica poética abriu-me os portais da profundidade e altura do mistério de existir. E o poema foi meu rito individuatório. 
 Mas o que poderia se exigir mais da caminhada de uma alma, para libertar-se de suas cascas e tentar constituir-se em uma unidade?




 Seu livro inaugural, República dos Becos, publicado em 1981, pode ser visto como um guardador de sementes que o poeta fez florescer nas publicações seguintes ou o poeta considera que se distanciou muito dos versos escritos três décadas atrás?

O poeta que eu era em 1981, sabia que sabia onde poderia chegar até aos dias atuais, já que estava gestado em potência, na fundação do prédio, a antevisão lúdica da janela, cujo movimento para dentro e para fora, abriria a possibilidade de serem ampliados e descobertos novos horizontes. 
O processo em cooperação com a energia da vida engendrou novas variáveis e acrescentou espirais que navegam como ondas, num movimento sistólico-diastólico, criando sucessivas interpretações do pensar e do sentir, diante de novas leituras que multiplicaram as cores líricas. 
Fiel a esse caminho, aceitei também as suas transformações que enriqueceram a minha pequena odisseia verbal. 
E por que sabia que sabia? Porque o rio espiritual que fluía subterrâneo em meu ser, aberto aos signos das transformações e renovações, queria refrescar e matar a sede de alguns, embora dentro de mim a sede talvez fosse mais pujante.

A fortuna crítica contida nos volumes com a poesia reunida mostra que sua obra foi e vem sendo lida por todos os críticos Brasil afora. Nota-se que há algo em comum nas palavras dos críticos quando observam que sua “cartografia poética” é caleidoscópica, como acentua José Mário da Silva. O mesmo José Mário da Silva intitulou um ensaio sobre sua poesia: “A Síntese Cosmogônica de Tudo”. Ao fim e ao cabo, é a síntese que todo poeta almeja?

Cada um de nós, além da antiga adequação conteúdo-forma – o espírito e a matéria do poema – desenvolve um projeto pessoal diante de suas circunstâncias. Em minha juventude percebia que os poetas eram classificados dentro de rótulos críticos que privilegiavam a parte – poeta dos escravos, político, social, da compaixão, da paixão, do ser, dos índios, da morte, etc. 
Eu queria ser um poeta do todo e de tudo, e não da parte, já que todas as cores do arco-íris pulsavam em meu sangue e sonhavam um sonho de totalidade. 
Acredito que essa razão poética floresceu com o tempo. Sendo o eu um outro, e por extensão analógica o todo, a partir da visão de unidade das antigas cosmogonias e a avalização atual da física quântica, plantei meus pés no chão e enrolei os cabelos em uma estrela, e naveguei guiado pela ideia e palavras, no espaço quântico onde estão as energias do individual e coletivo, do todo e da parte, da energia e da graça, da sabedoria e do amor, rumo a essa utopia. Mas descobri que assim como à utopia e ao caminho, basta a caminhada e seguir a jornada, aplaquei o meu ímpeto ao constatar que embora belíssima a integralidade da viagem, jamais alcançaria esse planeta, a não ser oque me é permitido alcançar. 



Formulei recentemente esta pergunta para a poeta Myriam Fraga e agora desejo saber a sua opinião. Os poetas românticos Victor Hugo e, no Brasil, Castro Alves, foram ambos exemplos de pessoas públicas porque atuavam na sociedade mas, com a dispersão da arte, a pessoa do poeta assistiu seu espaço ser diminuído e, assim, o artista se deslocou do diálogo público. O poeta está sem pragmatismo diante dos tempos atuais?

Poderia desfiar um grande elenco de fatores, entre os quais o surgimento de novos atores, disciplinas e hábitos, incluindo a doutrina da impermanência, que faz com que tudo seja transformado. Mas prefiro introduzir na cena o depoimento de um dos mestres do jazz, o pianista e compositor norte-americano Herbie Hancock, que fala do novo fascínio sobre as massas. E que merece profunda reflexão. Ouçamo-lo: 
“O jazz não morreu, não foi superado e continua tão inventivo quanto antes. O jazz apenas voltou a ser underground, não faz mais parte da cena musical pop. E hoje só ouvimos falar em música pop e na cena pop. Porque não é mais a música que importa. As pessoas não querem mais saber da música em si, mas de quem faz a música. Mudou a maneira como o público se relaciona com a música. Ele não tem mais ligação transcendental com a música e a sua qualidade. Quer apenas o glamour”. 
O que ele diz do esvaziamento do jazz, não se aplicaria à poesia?

A inquietação é característica de todo artista. A causa da inquietude reside no anseio de elaborar outros universos porque a realidade não lhe é suficiente, ou porque o artista se entende como um ser capaz de mudar o mundo? Enfim, o escritor tem algum poder?

Gullar atualizou Pessoa quando afirma que a literatura existe porque a vida não basta. Embora vivamos em múltiplos universos, necessitamos elaborar novos universos para que possamos inteirar-nos, tentar compreender a realidade e tentar modificá-la. Nós, artistas, somos geradores de utopias, sem os quais a realidade descambaria apenas para os ritos saturnianos da obrigação, materialidade e responsabilidade. Feijão menos sonho. Mas acredito sim, que os escritores e artistas mudam o mundo, não pelo trabalho objetivo sobre o próprio mundo, mas pela ação que é desenvolvida sobre a sensibilidade dos homens e que interfere nessas transformações. Todas as vezes que um poema, um conto ou um romance, ou ainda uma canção, ou uma tela, deposita um grão de esperança, lucidez, verdade, consciência, no coração de um homem, ele é transformado. E, consequentemente, o mundo. 
No entanto, creio que o verdadeiro artista não está interessado nas questões subalternas do poder, mas na relação de amor que mantém com ela, a sua arte, na qual se esconde, para que ela possa aparecer.



Acompanho suas publicações ao longo de muitos anos e tenho meu livro preferido, A Mulher que Matou Ana Paula Usher: História de uma Paixão, um poema que é um romance, ou um romance que é um poema. Conte um pouco aqui sobre a experiência de criar poesia em cima da história de um amor totalizador.

Bachelard dizia: “é necessário que uma causa sentimental, uma causa do coração se torne uma causa formal para que a obra tenha a variedade do verbo, a vida cambiante da luz.” No caso em espécie, ao livro A Mulher que Matou Ana Usher: História de Uma Paixão, o enunciado bachelardiano cairia como uma luva. Já tinha me ocupado de situação próxima em Titanic-Boulogne: A Canção de Ana e Antônio, em que o poeta Gonçalves Dias sucumbe ao naufrágio amoroso com Ana Amélia Vale, por que não escrever a minha aventura pessoal? 
Minha visão de totalidade não poderia deixar de excluir eventos significativos, como o encontro  vênus - plutão, dentro do céu de minha alma, envolvendo os jogos de luz e sombra, amor e paixão. Ainda que produzissem ferimentos me levariam posteriormente à catarse e libertação. 
O livro foi escrito para compreender o acontecido, aprofundar o conhecimento da ilusão, tarefa que todos os humanos deveriam realizar, exorcizar demônios, e também celebrar a chegada e a partida de alguém, que na época, foi importante. Escrevi-o nas vivências do fogo e ar. 
Enraizado no elemento terra, coletei as experiências vividas e observadas e reuni uma coleção de fragmentos líricos como um mosaico. Depois as normatizei dando forma a um roteiro poético-cinematográfico. 
A vida conspirou a favor da realização desse livro. Foi escrito, editado e lançado em 6 meses. Muitas pessoas, como você, acabo de saber, elegeram-no o melhor livro que escrevi. É um dos que eu mais gosto.  

Mais uma vez, gosto de fazer certas perguntas para todos os poetas. Começo com a colocação de Joseph Brodsky, que está no livro Menos que Um, quando se pode ler o seguinte: “As verdadeiras biografias dos poetas são como as dos pássaros, quase idênticas - os dados verdadeiros estão na peculiaridade de seus cantos. A biografia dos poetas está em suas vogais e sibilantes, em sua métrica, em suas rimas e metáforas (...) Com os poetas, a escolha das palavras é mais reveladora do que aquilo que contam”. Quando o poeta tende a ser personagem de si mesmo, arrisca-se a não diferenciar o que é neurose e o que é literatura?

Concordo com todas as observações de Brodsky. Quanto à sua pergunta, respondo-a através de uma vivência de claridade com o notável escritor maranhense Josué Montello, que me honrou com a sua amizade e distinção literária. Certa tarde abafada, perguntei-lhe, em São Luis, quem era o escritor com quem mais aprendeu. Josué me afirmou, Dostoievski. Segundo ele, mesmo em Recordação da Casa dos Mortos, de cunho autobiográfico, ele se manteve distanciado, para que o leitor pudesse julgar através da apresentação dos fatos. 
Esse relâmpago iluminou a minha mente todas as vezes em que a matéria prima dos meus livros tornou-se autobiográfica, como em O Filho Pródigo. Neste livro faço a difícil travessia para reconciliação, através do verbo e da memória, superando muitas dificuldades para restaurar a dimensão afetiva com a figura paterna, principalmente por perceber grande quantidade de material pessoal e arquetípico que estava misturado. Distanciado, mesmo quando a emoção me invade, tento sempre compreender os dois lados, jogando luz para que a verdade brilhe sobre a cena.  
 Em relação ao risco da empreitada de não perceber a diferença entre neurose e literatura, recordo-lhe que todos os escritores, mesmos os gênios - cobaias de suas experiências no mundo - movem-se em alterados estados de consciência, desregramento, loucura, dificuldade de convívio social, entre outros, sendo difícil atestar-se-lhes a sanidade, na maioria dos casos. Paradoxalmente, na contramão do questionado, nova palavra irrompeu nos verbetes da psicologia contemporânea: A expressão “normóide”, que designa a patologia da pessoa que quer ser normal.

Sua voz poética vigorosa, intensa, vem da experiência concreta da vida, não apenas experimentada, mas resultado de muita reflexão. São sempre necessários para o escritor essa vivência e esse entendimento da comédia humana, ora estarrecedora, ora sublime, como fornecedores do instrumental poético?

Mas o que sabe aquele que não foi experimentado? Já perguntavam os antigos homens de todas as tradições. O Eclesiastes, um dos livros da sabedoria judaica, adverte e leciona: “O homem de grande experiência tem grandes ideias. (...) Aquele que não tem experiência, pouca coisa sabe”. A experiência é uma chave que abre muitas portas interiores e exteriores, quando se lhe sucede o discernimento. Mas a aplicação ao conhecimento e à sabedoria, o recolhimento, a meditação e a sua alternância no mundo, são essenciais para a nutrição do espírito, organizar a mente e purificar a ferrugem do coração. Temos que crescer para que a nossa poesia cresça e faça circular a luz. E reconhecer e aceitar que se a vida é beleza e tragédia, também é milagre, e temos de ser corajosos e belos para vivê-la. E escreve-la.

O que é mais prazeroso para você: escrever o poema ou contemplar o resultado, a culminância enfim?

Todos os momentos desempenham um estado de abertura e gratificação com a fonte: dos preliminares até o gozo total. Desde aquele que antecede o espetáculo, quando uma fagulha se insinua pelos escaninhos da ideia; ao momento inaugural do big-bang, a explosão do processo criativo (que pode ser longo como os relatos da semana da criação) até à contemplação do que foi construído. Epifania. Missão cumprida. A menina está pronta para seguir a sua estrada. Tchau, baby!

Qual a sua leitura imprescindível, aquela leitura responsável por complementar a sua vida como escritor?

Sou um antiespecialista num mundo de especializados, portanto, cabe de tudo um pouco. Livros sagrados, noções de física quântica, ensaios reveladores sobre poesia, como os de Paz, tratados de homeopatia e medicina chinesa, poesia, sempre poesia, de todos os lugares, filosofia oriental, Paracelso, I Ching, ecologia, os gregos. E mais uns 2000 que estão a caminho. Embora seja um garimpador, evito os sebos pela dificuldade respiratória com a poeira acumulada.

Outra pergunta que sinto necessidade de fazer aos poetas: há circunstâncias ideais para você escrever, ou seja, é necessário “um teto todo seu”, aquele cantinho silencioso, que Virginia Woolf tanto apregoou?

Preciso de silêncio, de certa paz de espírito e algum conforto – apesar de alguma legião infernal estar de plantão. Evidentemente, não preciso de um castelo emprestado como Rilke, embora aceite ofertas do gênero. Posso funcionar em qualquer lugar, nessas condições. Mas hotéis, em percursos de viagem, são moradas etéreas na vasta babel que se tornaram todas as grandes e pequenas cidades.

Qual é a sua certeza ou a sua dúvida que lhe serviu como guia na realização do trabalho poético?

A certeza – a que desde cedo eu queria ser poeta e pagaria o preço. Passei a escrever logo o meu batismo de fogo nas fichas de hospedagens dos hotéis, sob o olhar contrariado dos atendentes que exigiam adiantamento de diárias. Mas o meu grande mestre foi a dúvida, que me estimulou a crises de confiança e serviu de passaporte existencial, pois duvidava se conseguiria realizar um trabalho à altura do que a vida me passara em uma folha de papel em branco.

Os dois volumes de A Poesia Sou Eu, se dizem Poesia Reunida. Poesia Reunida não é Poesia Completa. Posso entender, portanto, que você não colocou o ponto final nas suas produções. Existem planos de publicações futuras?

Só uma grande personagem, chamada Vida, coloca um ponto final na produção de um autor. É o salto cósmico. Até lá, armado de lápis, rímel, canivete, coquetel molotov, carvão, spray vermelho, sob ritmo intenso ou sutil, combateremos à sombra!

QUINTA CHAGA

Aos amigos Leonel Araújo Lima, Zeca Belo e Alberico Carneiro, companheiros da flor-de-lis metálica no coração


Eis o caminho das espadas
que o Mar Vermelho abençoou
na constelação das coronárias 
Taça de vinho tinto derramado
 na toalha branca do sacrário
sou a ceia devorando ervas amargas
  
Víscera sagrada estressado músculo
ovelha imolada templo do crepúsculo
sol de Hiroshima bíblia de Abel
palco da chacina açougue do céu
bala de canhão dos doze apóstolos 
 UTI da paixão de todos os sós

Morrer pela cruz ou pela espada?
Arrancaria do peito a bomba-relógio
e contra a turba arremessaria a granada? 
Metralhado ostentaria estrelado
os buracos do céu em adoração
guerrilheiro da magia sagrada?

Ave quinta chaga de Cristo:
oserafimcientíficoexecutouorito
de angioplástico gozo: projétil metálico 
Ante-sala da iniciação —stentno coração —
fuso a fuso parafuso a parafuso
penetraremos no paraíso?

Buraco de agulha — eis a porta estreita
da artéria — chave da compaixão 
Por esse buraco passaram e passarão
Franciscos e Pios o vício e o perdão
Nos canais interditados das veias
navegam uníssonos o mau e o bom ladrão

Vede os estigmatizados da razão
 e o mistério decepado de asas
Ninguém transformará em devoção
 os estigmas dos endurecidos corações
clamando onipresentes à rigidez do músculo:
— “afastai a pedra do sepulcro!”

Venerado com catéteres e adrenalina
 o corpo cambaleia nas estações 
Ora a nicotina: “ópio do povo /
 vício do todo / cinzas de maria”
A serpente com as presas de metal
 envenena-me com a seta do aguilhão

Na caverna do peito — fenda
da rocha — o poço da paixão
3 da tarde: as angustiadas badaladas
 da máquina gritando manutenção 
Arame farpado: a chaga da terra
a natureza submetida à corrupção

Ferido por minhas próprias transgressões
 dilacerado pelos meus pecados
minhas feridas jamais me curarão:
pinguenelasosanguedocrucificado
Quem reerguerá esse templo de paixão
consumido em desejos e desolação?

Consagreiocorpoem flor
às obras em suor do amor:
mão direita — realeza
mão esquerda — beleza
pé direito — profundidade
pé esquerdo — busca da verdade

Mas o coração milagre da criação
sofre o abalo da gravitação
a queda da eterna árvore 
Entre o elástico e o esclerótico
lançou-me o peito a um voo egoico
— estreito céu — fatídica ave

Extenuado em vasoconstrição
 quem reconciliará meu coração
com a senda do amor e compaixão? 
Sóocrucificado—sursumcorda
alargaráosafluentesenvenenados
jorrando sangue e água da misericórdia

Ser conduzido pela claridade
aprender com a fonte a sobriedade
como o lírio curvar-se à castidade
eis minha precária humanidade:
a água condutora de eletricidade
fogo espalhou à chama da vaidade

Celebrei-te ó fragmento
 sob as colunas do templo 
Prisioneiro do tempo e vento
ergui-te fáustico monumento
Hoje ardendo em fragmentação
 aspiro ao sol da união

Destasexta-feirasouocrucificado
clamando ao meu anjo os seus cuidados
Coração novo Caminho novo
Cântico novo Mundo novo
Complete o céu a grande obra
de quem na vida suportou ígneas provas

Do amor a via sacra negativa
seja transmutada a chaga em água viva 
Paiglorificaosmeusfracassos:
no peito habite o sagrado pássaro 
Ó mangueiras do Sítio do Físico:
sobre vós derramo o meu espírito


OFERTÓRIO

 Quando fores a São Luís aquece o teu coração:
envergaa jaqueta grise leva aflor entre as mãos
 Indaga à rua do Giz e aos sabiás de plantão
pela alegre codorniz que morreu de solidão 
Chama um menino feliz do Coroado ou Pespontão
pra abençoar a cicatriz e dar asas à rejeição 
Quando fores a São Luís ajoelha-te em oração:
encontrarás na Matriz meu corpo de ressurreição!


_________
Gerana Damulakis é autora dos livros O Guardador de Mitos (poesia, 1993), Sosígenes Costa – o Poeta Grego da Bahia (ensaio, 1996), O Rio e A Ponte: À margem de Leituras Escolhidas (ensaios, 1999) e é organizadora da Antologia Panorâmica do Conto Baiano – Século XX(2004).


Entrevista concedida ao  site Verbo 21 Cultura & Literatura.
http://www.verbo21.com.br/v6/index.php/setttstoentrevistas-2/249-luis-augusto-cassas


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