segunda-feira, 6 de outubro de 2014

A FALA DO BECO

Beco da Bosta, São Luis-MA


nos signos de rotação
fui de áries a peixes
nuvem e gavião


livrei-me das neuroses
com a overdose
das metempsicoses


tomei sol com Menipo
soldado em Alexandria
vaso e arquétipo


depois fui crepúsculo
na bela anatomia
de sólido músculo


estranha coorte:
só eu sei o que vem
depois da morte


verdade nua:
fui antes rua
na Catalunha


realidade-triste
em bico de pássaro
cumpri-me alpiste


quando fui água
segui o roteiro
de todas as mágoas


quando fui fogo
descobri o ideal
do bem e do mal


quando fui ar
descortinei a alcova
onde o vento faz a curva


mudo no mundo
girando na roda-gigante
da alma do todo


reencarnando
ora encarnado
ora verde-musgo


eis-me agora no chão:
pra entender a matéria
e o seu coração




*
tua alma tantra
tem superlativo nó
dar-te-ei um mantra
as cinzas do pó


mas logo te advirto
nada posso aprendizar
a não ser as lições
do teu próprio avatar


ouve: o abc do viver
compreende dois capítulos
a ciência o mestre
a arte o discípulo


como podes entender
o corpo de ressurreição
se combates a matéria
e o corpo do teu irmão?


como ousas apreciar
o belo torso de Apolo
se aos olhos da realidade
és criança de colo?


às vezes não sendo se é
pra ser-se o conteúdo
mas o que se ser pretende
é ser não sendo contudo


mas há um mini-instante
na hora do ave-maria
que a ciência do ser
é a arte do não seria


teu o dizes: sou o beco!
meu caminho é estreito
pela estreita porta
não passa a moura torta


aquele que joga pedras
no telhado do vizinho
sequer perceberá
as pétalas do caminho


quem atira pedras
e esconde a mão
jamais conhecerá
minha salvação


mas quem reza minha cartilha
pega no pote
e segura na rodilha
esse é de família










Luís Augusto Cassas
In A Poesia Sou Eu, vol. 1, p. 623
Foto: Gilmore Guy






Nenhum comentário:

Postar um comentário