quarta-feira, 1 de outubro de 2014

APOCALIPSE (2)




1
Nos tempos em que eu transformava pães em pedras
o sol mergulhava na matéria
e produzia ferimentos em meu coração
Vãos eram os pensamentos palavras e obras
e minha alma inconsolado deserto: covil de cactos
constelação e escorpiões


Época de as serpentes trocarem as peles
e a vaidade eclipsar as cores o camaleão
O amor se transformou em cólera
e a paz em campos de concentração
A humildade vestiu o manto do orgulho
a aparência triunfou sobre a essência
a fé foi derrotada pela tentação




2
Quando aprendi a transformar pedras em pães
o sol ergueu-se da imersão na matéria
e proclamou a temporada da transfiguração
Nova fonte e luz jorrou em meu espírito
e veio ter comigo o anjo da alegria
Rosas brotaram das chagas do coração


Desde então tenho colhido safra de milagres
e os gafanhotos foram expulsos das plantações
A serpente foi vencida pela pomba
o egoísmo tornou-se confraternização
o prazer buscou o sentido da vida
a morte transformou-se em vida eterna
a glória a vida vencera a tentação




3
Bem sei
que pães alimentam
e pedras apedrejam


Mas sei também
que pedras podem alimentar
e pães apedrejar
(Ó granito da vida
quando te dissolverás?)


Humilde ao raiar do dia
quedo-me contrito ao divino alquimista
que transmuta a pedra dos meus sofrimentos
no pão de sua perfeição


Eu só vivo
porque Ele morre
Eu sou o forno
Ele é a quinta-essência
Ele é a luz eterna
Eu sou o trigo
Eu sou a gota e sangue
Ele é o coração









Luís Augusto Cassas
In A Poesia Sou Eu, vol.1, p. 386





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