sou como tu israel
um país recheado de tragédias
e infinitas belezas naturais
um rio de água-viva
jorra nos jardins do tempo
enquanto o sangue dos puros
escorre no muro das lamentações
sou o eleito e o injustiçado
a estrela e a videira
o pastor e a estrela extraviada
a coroa de davi a faca de abraão
embriagado de profecias e maldições
saio ziguezagueando pelas ruas
ouvindo a litania das metralhadores
meu corpo apodrecido estala raízes
range nas tábuas do antigo testamento
as pesadas rodas do canhão
minha espada? a pena
da plumagem de um pombo branco
sujo na fumaça do crepúsculo
o grande mistério da vida
fala pela boa dos profetas:
_ 'jamais te conhecerás integralmente!_
sempre haverá segredos
entre a árvore e a semente!"
clamam os anciões aos ventos:
_ 'consideras-te sábio?"
aos ignorantes lavam-se os trajes
ao sábio nada é perdoado"
sibila no ar a serpente:
_ 'não conhecerás o amor pleno:
a ilusão será teu veneno!"
aquele que está nas alturas
quando salvará nossa amargura
ó israel?
até quando servir-se-á a dignidade
como prato de vísceras
no banquete da desolação?
ai israel
meu pecado e o teu
_ a falta de unidade espiritual _
desnuda-se a céu aberto:
somos apenas uma rês
multiplicada em três
pastando no deserto
oferto-te um cordeiro em holocausto
com flor de farinha e azeite batido
temperado na pólvora das retaliações
inútil acender-te o incenso
c/ bálsamo cravo libânio açafrão
não disfarçaremos o fedor da eternidade
dos corpos em decomposição
eu vi o sangue libanês
da minha bisavó estrela
resplandecer na taça do sepulcro:
"cerradas permanecem as lojas
'trajes p/ noivas'
enquanto não se consumarem
as núpcias do candelabro e da oliveira
sobre a pedra negra do altar"
flor do cedro
vasilha de luz
de amidá
vinde nos cuidar
adonai 72 vezes
contaram-te morto nas fileiras
exilado na fornalha de nossos corações
tornamo-nos surdos às tuas lamentações
vinde mulher vestida de sol
mãe dos fracos e combalidos
dormir com todos os mutilados:
restaurai-lhes as torres fulminadas
a árvore do bem e do mal
despencou carcomida pelas guerras
(crianças dançam cirandas
jogando-lhes rosa e mirra)
de nossas costelas
escorre um rio de água límpida
somos o livro mordido pelos ossos
navegando no úmero de nomes e números
Luís Augusto Cassas
In A Poesia Sou Eu, vol. 2, p. 529
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