sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

CORPUS HERMETICUM



sou como tu israel
um país recheado de tragédias
e infinitas belezas naturais

um rio de água-viva
jorra nos jardins do tempo
enquanto o sangue dos puros
escorre no muro das lamentações

sou o eleito e o injustiçado
a estrela e a videira
o pastor e a estrela extraviada
a coroa de davi a faca de abraão

embriagado de profecias e maldições
saio ziguezagueando pelas ruas
ouvindo a litania das metralhadores
meu corpo apodrecido estala raízes
range nas tábuas do antigo testamento
as pesadas rodas do canhão

minha espada? a pena
da plumagem de um pombo branco
sujo na fumaça do crepúsculo

o grande mistério da vida
fala pela boa dos profetas:
_ 'jamais te conhecerás integralmente!_
sempre haverá segredos
entre a árvore e a semente!" 
clamam os anciões aos ventos:
_ 'consideras-te sábio?"
aos ignorantes lavam-se os trajes
ao sábio nada é perdoado"

sibila no ar a serpente:
_ 'não conhecerás o amor pleno:
a ilusão será teu veneno!"

aquele que está nas alturas
quando salvará nossa amargura
ó israel?

até quando servir-se-á a dignidade
como prato de vísceras 
no banquete da desolação?

ai israel
meu pecado e o teu
_ a falta de unidade espiritual _ 
desnuda-se a céu aberto:
somos apenas uma rês
multiplicada em três
pastando no deserto

oferto-te um cordeiro em holocausto
com flor de farinha e azeite batido
temperado na pólvora das retaliações

inútil acender-te o incenso
c/ bálsamo cravo libânio açafrão
não disfarçaremos o fedor da eternidade
dos corpos em decomposição

eu vi o sangue libanês
da minha bisavó estrela
resplandecer na taça do sepulcro:
"cerradas permanecem as lojas
'trajes p/ noivas'
enquanto não se consumarem
as núpcias do candelabro e da oliveira
sobre a pedra negra do altar"

flor do cedro
vasilha de luz
de amidá
vinde nos cuidar

adonai 72 vezes
contaram-te morto nas fileiras
exilado na fornalha de nossos corações
tornamo-nos surdos às tuas lamentações

vinde mulher vestida de sol
mãe dos fracos e combalidos
dormir com todos os mutilados:
restaurai-lhes as torres fulminadas

a árvore do bem e do mal
despencou carcomida pelas guerras
(crianças dançam cirandas
jogando-lhes rosa e mirra)

de nossas costelas
escorre um rio de água límpida

somos o livro mordido pelos ossos
navegando no úmero de nomes e números




Luís Augusto Cassas
In A Poesia Sou Eu, vol. 2, p. 529


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