segunda-feira, 21 de julho de 2014

O (O FILHO PRÓDIGO:Um Poema de Luz e Sombra)



Após o pânico
das caranguejeiras
borboletas azuis 
voam na clareira


O que fora elaborado
no ritmo agônico das horas
irrompe súbito no afogado
no fundo do poço da memória
nas mãos trêmulas do menino
cavando a escuridão
pra não causar o mau destino
nem ser o algoz de seu irmão
fogos-fátuos do passado
campos de concentração
em que adultos desgovernados
desmontavam os seus brinquedos
pra uso e reutilização
absolutamente por maldade
mas por não haver bondade
na guerra em seus corações


Toda a íntima odisseia
fragmentos e mitos
lições do sinistro
do homem em desgraça
perante sua raça:
pétalas de suor
raios de misericórdia
- ritos de passagem
de trágica viagem -
pra quebrar-me o rigor
e manifestar o amor
em meu mundo interior


Só o amor vence o ódio
mas se o amor não o vencer
o ódio torna a florescer
com seus megatons de sódio


Só declarando impotência
ante qualquer violência
lava o homem a consciência
despedindo a culpa imensa


No estranho mundo do ter
vale a metade do apreço
no universo do ser
paga-se em dobro o preço


Criei a mim - vestígios que sabia
filho do abismo e da mão tateante
Sou os escombros e a cumeeira
o que arde em baixo é sol de feira


Ó vocação do fogo
queimar e perecer
ó vocação da água:
morrer e renascer


Meu trabalho é fazer
das folhas secas - verdes
dos sucos - frutos
do luto - muco
descobrir no precipício
o divino
após o demoníaco
e sobrevivente do lixo
hastear o solstício


Meu ofício: realizar
o percurso da água
navegar o coração
(como um rio)
à fonte da lágrima
o ouro da flor:


a água gosta
de lugares baixos
a ferida dos homens
e a sua dor


porque nada passa
nem o ferro de engomar
que as roupas traça
nem o vinco do passado
que o mar escalpa
nem o sol do Saara
que os homens assa


Só o que morre
sobrevive







Luís Augusto Cassas
In A Poesia Sou Eu, vol. 2, p. 390



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