segunda-feira, 12 de maio de 2014

A CEIA SAGRADA DE MÍRIAM




Mamãe foi o prato mais apetitoso
 nos almoços de domingo em família
 Sorria como o desejo em flor
assada na maçã de nosso ardor
devorada nos quintais da alegria


Consumida pelos filhos e netos
 e pelo marido (q enquanto viveu
coube-lhe o melhor pedaço e a ambrosia)
não houve dia em que nos recusássemos
a mastigar-lhe a presença macia


Mamãe alimentou espiritualmente
 todos os membros gulosos da família
a uns dava tetas e colo a outros bolso
enquanto alguns nutria a puro leite
 por sua grande intimidade com Maria


Seu altar era a mesa farta
onde sagrava o banquete das terrinas
Não nos deu pedra quando lhe pedimos pão
e quando famintos reclamamos: ágape!
fez das tripas coração


Hoje as mães são independentes
 não se fazem mais almoços de domingo
como nos quintais de antigamente
em que as leitoas cantavam em fogo brando
as melodias do puro amor ardente

Nessa hora revejo a minha mãe
de todas a mais bela e a mais carente
tornada filha de seus filhos e seus netos
lendo a sinopse das sinapses de A a Z
tentando dar sabor a seu presente



O nosso canibalismo amoroso
possa nos devorar em sacrifício
 restituindo o significado de sentido
àquela cujo exercício dadivoso
consumou-a a ceia no espírito





Luís Augusto Cassas
In A Poesia Sou Eu, vol. 2



Nenhum comentário:

Postar um comentário