sexta-feira, 30 de maio de 2014

EVANGELHO DOS PEIXES PARA A CEIA DE AQUÁRIO

Luís Augusto Cassas

Confissões de um simples pe(s)cador,
náufrago letrado que, por felicidade,
recolheu a garrafa que estava à deriva,
e nela encontrou a seivalquímica
que pôde sorver de seus versos sábios,
escritos pela sacra penapócrifa
de um poetapóstolo:



EVANGELHO DOS PEIXES 
PARA A 
CEIA DE AQUÁRIO




     Fernando Pessoa, expressando-se acerca da sinceridade dos poetas, classifica-os em três niveis: os inferiores, que dizem o que julgam que devam sentir; os médios (entenda-se aqui medíocres), que dizem o que decidem sentir; e os superiores, que dizem efetivamente o que sentem. Também em relação à arte, Pessoa propõe enxergá-la num esquema tripartite: "O fim da arte inferior é agradar; o fim da arte média é elevar; o fim da arte superior é libertar". (...) "Elevar e libertar não são a mesma coisa", prossegue. "Elevando-nos, sentimo-nos superiores a nós mesmos, porém por afastamento de nós. Libertando-nos, sentimo-nos superiores em nós mesmos, senhores, e não emigrados de nós. A libertação é uma elevação para dentro, como se crescêssemos em vez de nos alçarmos."

     Luís Augusto Cassas e sua arte poética, que se faz extensa e bela, estão nitidamente declinados nos graus superiores de Pessoa. Para saber, basta ler com olhos transparentes este Evangelho dos Peixes para a Ceia de Aquário, destilado alquímico de um poeta maranhense, alma universal, que opera as palavras na incessante busca de uma experiência libertadora e guarda em casa texto uma oração filosofal, generosamente oferecendo-nos a possibilidade sincera de transmutação pela poesia, efetivamente sentida neste ar de devoção sacra que nos (e)leva para dentro, em sua obra.

     Cassas é um pisciano nato, de 2 de março, que veio ao mundo, constata-se pela
Alquimia
dimensão de seu trabalho, imbuído de um missão espiritualírica. Seu brilhante eguintelecto , feito estrela-do-mar, presume-se, já sofreu mil mortes por afogamento nas águas diluvianas, já foi presa de Leviatã, terrível monstro abissal, já esteve engolido por eras a fio no ventre da baleia de Jonas. Já sofreu a absoluta diluição do sal no doloroso milagre da existência, já se deixou hipnotizar pelo perigoso canto das sereias, já viajou nove meses pelos sete mares indo aos quatro cantos do mundo, humildemente aprendendo a arte de nadar e emergir das águas densas com poesias cristalinas, dinamizando mensagens oceânicas em gotas orvalhalquímico, capazes de dourar a perdida aurora de Netuno.

     Lidando com potências inconscientes, submersas, Cassas adquiriu mestria em
umedecer solos estéreis e fertilizar os corações humanos, ensinando-nos a remar sem lágrimas nosso cotidiano rio de sentimentos. Um poeta estranhamente sedutor,
que escreve com sacralidade e sensualidade puras; ao mesmo tempo um misto de "Homero cego-das-ruas"  e repentista dos becos históricos de São Luis do Maranhão. Mescla de missionário suprarreligioso e de insano arcano do tarô, sem número e sem credo estatutário, Cassas desfila (des)percebidamente atento por todas as igrejas e cartas da vida, por todos os arquétipos e mitos, convocando panteão dos deuses a prestar auxílio, e todos os povos e mentes a compreender o sublime sermão interior, que podemos ouvir, sempre que em oração e poesia, subimos à moda de Cristo nossas bem-aventuradas montanhas.

     Cassas ainda é hermético. Sua poesia, mesmo quando despretensiosa, num
Hermes Trismegisto
contraponto de si própria, assume muitas vezes um caráter de sabedoria atemporal, porta-voz, ora da espiritualidade gnóstica, ora dos mistérios cristãos ou do esoterismo da cabala judaica. Cassas também proclama em versimagens, as ciências proibidas de Hermes Trismegisto, entidade superdotada, mensageiro de Zeus, elo entre o céu e a terra, única divindade franqueada por Hades, príncipe das trevas, a penetrar em seu denso mundo inferior. Hermes, descrito por Homero como "o fiel companheiro dos homens", é quem nos entrega o tripé da tradição oral: o hermetismo (ensinamentos complexos de sua própria sábia palavra), a magia ( procedimentos ritualísticos que se realizem por meio do gesto, da palavra e da vontade) e a alquimia, assimilada de Efesto, artífice deus-ferreiro, que lhe teria ensinado o oculto ofício da transmutação do chumbo em outro, bem como o segredo da imortalidade. E toda a poética cassiana, conquanto agrade por sua espontaneidade aos olhos leigos e sensíveis, encontra-se permeada de poemas alquímicos que prescrevem aos neófitos os passos que debem ser dados nas entrelinhas da Iniciação.

     Neste Evangelho dos Peixes, particularmente, Cassas presta precioso tributo a
Jocob Boehme (1575-1624), sapateiro-filósofo, estudioso da cabala e da alquimia, cuja complexa cosmogonia, concebia Deus como tácita síntese da maior das antíteses, a englobar em sua absoluta natureza, tanto o bem como o mal. "Que mistério da fé/ envolve os sapateiros? Por que velar aos pés/ acendo no alto os luzeiros?" Pergunta-nos o poeta que, ao mesmo tempo, diz querer "ir à festa do céu com sapatos de Boehme", ensinando-nos que só no anonimato do ora et labora, na humilde condição de quem faz da própria vida devoção, é possível caminhar pela senda reservada da iluminação. E Cassas se imagina calçando os sapatos de Boehme, 'luzidios como hidromel" (bebida fermentada, açucarado de água e mel, usada  em doses terapêuticas desde a Antiguidade), poética alusão ao cristalino Elixir da Vida Longa.

     Outro trabalho dotado de extraordinária luz alquímica é a "Tábua de Opalina";
Tábua de Esmeralda
conversão pisciano-aquariana da célebre Tabula Smaragdina, Tábua de Esmeralda, texto originariamente grego, de cunho erudito, componente do Corpus Hermeticum , datado de II d. C., cuja autoria, desconhecida, é miticamente reputada aos deus Hermes Trismegisto. O pergaminho, em verdade, está assinado por Poimandres, alquimista que, em respeito à regra áurea do anonimato,preferiu manter-se oculto por detrás da figura bucólica de seu pseudônimo (poimén, em grego, traduz-se por pastor). Traduzido por volta de 1460 para o latim pelo humanista italiano Marcilio Ficino (1433-1499), o segundo de seus treze aforismos, dotados de sutileza e complexidade, adverte: "Quod superius est sicut quod inferius; quod inferius est sicut quod superius ad perpetrandamiracula" (assim como é em cima, é embaixo; assim como é embaixo, é em cima, para perpetuar o milagre). 


     Ora, feito Hermes dos gregos, Cassas promulga em sua Tábua a união das profundezas oceânicas ao espaço sideral; em cima e embaixo são posições opostas e ao mesmo tempo complementos mútuos um do outro, posto que o mar guarda em seu espelho todo o infinito, enquanto as estrelas-do-mar vivem seu pequeno drama, especulando entre si se não seriam elas os fractais microcósmicos de um mundo divinestelar magnânimo, incabível em sua compreensão.

     Opalina, pedra azul, cor do oceano, relacionada ao signo de Peixes, é símbolo do
mundo inconsciente. A nova tábua proclama a imagem do planeta Terra navegando
feito Grande Peixe pela Via-Láctea, interposta à ideia de que estrelas são cardumes (e suas guelras, asas), fazendo aproximar assim nosso mar desconhecido do cosmos mais longínquo, enquanto transpõe a miríade infinita de seres marinhos para as constelações do firmamento, numa metáfora de profundilux revolucionária, característica deste novo movimento literário (que eu chamo de Aquarismo)  do    qual Cassas é um dos mais expressivos arautos, a lembrar que "Sem Deus o homem é nada!" ,   quando bate seu báculo à entrada do Templo, anunciando o  novo Eon que se apresenta, momento em que os peixes, prestes a assumir plano secundário em cena, celebram, satisfeitos, o rito de passagem (da humanidade e da Terra) para a Nova Consciência.

     É possível antever a mutação psicoalquímica a operar-se neste futuro que se faz presente, capaz de resgatar pelo anzol da poesia, em águas claras da fonte universal (da qual provém e de onde todos provimos), nossa síntese divina.

     Vivemos um momento histórico, crítico e libertário, época em que os peixes (e Cassas os percebe humildes e sábios) ufanam-se em socorrer a humanidade, servindo-se a si mesmos às postas sobre mesas postas, oferecendo-nos suas melhores receitas e "boas novas" para a completa remissão das almas que saibam saborear a vida em sentimentos, enquanto ousam beber do cálice do amor em plena Ceia de Aquário. 

     Claro está, impossível capturar o Cassas sem que seus poemas nos saltem pleas frestas d'entrededos. Análises acadêmicas mais revelam sua insanincompetência quando pretendem explicar arte e poesia; ora, se a arte de Cassas nos liberta é porque nem sua Obra nem seus poemas,especificamente, deixam-se prender por coordenadas do intelecto.

     Devo confessar que ler o Evangelho dos Peixes para a Ceia de Aquário fez-me afundar em mim mesmo, mergulhar em meus abismos, nadar por mares pessoais desconhecidos; sinto-me ora banhado por um misto de sentimentos de espiritualidade e compaixão, molhado que estou pela torrencial queda de suas palavras; flagro-me ainda preocupado com o velho adágio que vem à tona e nos conta que, em verdade, não herdamos esse mundo de nossos pais, senão que o tomamos emprestado de nossos filhos. A escassez de água no Planeta, risco eminente à nossa sobrevivência, reflete profundamente a crua aridez da alma coletiva e nos pede urgentemente que ajudemos a perfumar o coração dos homens com o Elixir que exala destas páginas. Isto porque Cassas, apostolalquimista, deposita esperança na oração solitária, voltada à transmutação pessoal que, associada ao trabalho solidário de levar a chama de nossa vela à cadeia do próximo, cumpre transformar primeiramente o homem e, a partir disso, favorecer a iluminação da humanidade inteira. 

     A leitura deste Evangelho opera-me ainda um milagre natural, faz-me ouvir em meu silêncio a ressonância de um mistério, inunda-me com a sensação oceânica de estar compartilhando um segredo alquímico, faz-me sentir igualmente aos iniciados de Cristo, responsável pela Pedra Oculta em que um peixe fóssil filosoficamente espera, há centilhões de anos, aguardando pelas mãos transmutadoras daquele que o soltará, tal qual faz Cassas com seus livros, para nadar para sempre num aquário de poesias.

     "Non nobis, Domine, non nobis".



Paulo Urban





Paulo Urban
é Médico Psiquiatra e Psicoterapeuta do Encantamento


Diretor Clínico do Hospital Psiquiátrico Casa de Saúde de São João de Deus de 1994 a 2000 (São Paulo – SP).
Redator-chefe da Revista Medicina Atual em 2004.
Coordenador editorial responsável pela criação da Revista Nova Consciência, 2007-2008.
Articulista Revista Planeta, 2000-2006.
Escreve atualmente semanalmente no Portal de Jornalismo Mhário Lincoln do Brasil: www.mhariolincoln.jor.br 
Paulo Urban é escritor com livros publicados nas áreas de medicina, esoterismo e história, e autor de centenas de textos versando sobre diferentes temas, nas áreas de psiquiatria, psicologia, alquimia, magia, hermetismo, mitologia, filosofia, parapsicologia, antropologia, xamanismo, comportamento, arte, literatura, textos biográficos e outros tantos assuntos.
Duas de suas obras, premiadas, são escritas em co-autoria com seu pai, o historiador Homero Pimentel (1939-2008):
Fractais da História, a humanidade no caleidoscópioed. MadrasPrêmio Clio de História, 2004 
Santos Dumont, Bandeirante dos Ares e das Eras, ed Madras, Prêmio Clio de História, 2006 pela Academia Paulistana de História.

Para melhor conhecer a Psicoterapia do Encantamento, também seus textos, visite:
Site: www.amigodaalma.com.br





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