quinta-feira, 15 de maio de 2014

ELOGIO DA DELICADEZA


"A Sabedoria faz o seu próprio elogio"
                                              Eclesiástico


A delicadeza
não faz seu elogio
Serve-se à mesa
sem pompa e estilo:
dispõe os lugares
mostra os talheres
sacia os olhares
mas deixa o espaço
a outros concílios
A delicadeza
não é prato cheio
é antes o vazio
Tempos de aspereza
- em verdade - é exílio
Onde encontrá-la
em meio ao comício
de suposto brilho?
Está não estando
- cuidando dos filhos -
sutil arabesco
desenhando a prenda
de dourado auxílio
Está na criação
no átrio do templo:
nenhuma inscrição
orna-lhe o evento
Tecelã da graça
tênue bailarina
gira a bola do mundo
jeito de menina
Com suas mãos de fada
jamais nos fascina:
alivia-nos a queda
reenvia-nos pra cima
Está no coração
no reino da água
acalma o leão
libera-nos as garças
Com as letras do ser
imprime o alfabeto
que as luzes do éter
mostram a céu aberto
A delicadeza
é massa de pão:
fermento e unguento
move a inspiração
Resplandece em Séfora
no pousar das ânforas
Ilumina Ester
destino de conchas
A delicadeza
opera milagres:
gentil natureza
lavra o azinhavre
Quando fala em público
não gera tumulto
Lançado insulto
veste o branco-luto
Quais os oito graus
da delicadeza?
pureza? leveza?
beleza? harmonia?
sutil transcendência?
sábia alegria?
suba-lhes os degraus
ajunte-se-lhe à nobreza
o que respiraria?
- Pura poesia!
A delicadeza
é só coração
Única riqueza:
amar os irmãos
Em tempos difíceis
de fome de mísseis
em que às virtudes
se toca o alaúde
e o interior lixo
polui o espírito
seu suave ofício
seja o teu vício





Luís Augusto Cassas
In A Poesia Sou Eu, vol. 2, p. 282


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