terça-feira, 6 de maio de 2014

O IMPERADOR DO LARGO DO CARMO




                                                                                                           a Odylo Costa, filho



I
- Tudo que estais vendo aqui
até onde a humana visão alcança
é meu: esse conjunto de sobrados
de arquitetura colonial portuguesa
que vale ouro; o sol
que já foi de Vieira; as mercearias
e as suas mercadorias
de além-mar; as farmácias
e todo o seu estoque de vitamina C
para curar a gripe do povo; o dinheiro
avaro que se deposita nos bancos
e que se oferta (em moedas)
aos esmoleres; os escritórios
de advocacia e contabilidade
com suas promissórias duplicatas
código de 1850; e também
o odor de formol
que se desprende
dos gabinetes odontológicos
atravessa o ar da sala
dos escritórios de representações
comerciais; e irrompe
no nariz da tarde com cheiro
de dinheiro emprestado Jornal do Brasil
xícaras de porcelana francesa asa
de andorinha aluguéis juros
manzanas argentinas


II
- A agência dos Correios e Telégrafos
(os seus telegramas e congratulações)
e a Câmara Municipal
(com os seus móveis burocracia títulos
de cidadania inviolabilidade
dos mandatos dos vereadores)
estão circunscritos em meus domínios
encerrados nos meus limites territoriais
Também integram
o patrimônio do meu Reino:
as agências de viagem; a praça
e o oitizeiro da esquina; o subsolo
e as riquezas que nele se encontram
(incluídos os trilhos dos bondes); as
calçadas - com as bancas de revistas
e os vendedores de queijo de São Bento;
a Igreja do Carmo
(onde padres capuchinhos
rezam em intenção de minha saúde);
e a Fonte Maravilhosa
c/ o seu precioso elixir
que dá longa vida aos camelôs;
as lojas de discos; e o Edifício
Cidade de São Luís
(que os cearenses incendiaram
para fazer um edifício de 30 andares)
Procurando com calma
talvez encontreis por aqui: os pastéis
do Moto Bar; a avareza
de Serafim; a visão tridimensional
de Zuzu Nahuz; a nota estridente
(na alma) do pistom
do cego João; as grossas sobrancelhas
de Ruben Almeida; a ressaca
de Erasmo no abrigo:
bens hereditários
que incorporo
ao ouro do meu império


III
Monarca moderno
a legislação do meu Reino
inova matéria jurídica formal:
direito tributário administrativo
constitucional
Com excesso de arrecadação
do jogo-do-bicho
financio
as minhas obras sociais
Por decreto de utilidade pública
desaproprio
a conversa dos corretores
a lábia dos gigolôs
o papo pífio dos jogadores de pif
(as suas línguas
se converterão
em matéria-prima
para os meus sapatos)
Através de ato institucional
artigo primeiro e único:
declaro suspensos infinitamente
os direitos políticos
dos membros do Senado da Praça
(doravante
só terão direito a reunir-se
com as mulheres e sogras
e ainda assim
na cozinha)


IV
Sentado em meu trono de verão
(onde abdico do cetro e da coroa
mas não do privilégio de usar jeans)
vejo os meus súditos que passam
para mais uma jornada de trabalho:
e se curvam (cerimoniosamente)
em cumprimentos protocolares
louvaminhas beija-mãos
elogios com o bronzeado
recomendações às minhas tias
e se desdobram
nas audiências públicas
(com mais cerimônia ainda)
em pedidos de emprego passagens
aéreas para o Rio de Janeiro
queixas conjugais esgoto entupido
cadeiras de rodas lentes
de contato reclamações da sogra
isenções do IPTU gravadores
de Manaus óculos Pierre Cardin
milheiro de telha palha licença
pra funcionamento de motel
enxoval do Ceará pro bebê
solicitações de asfaltamento
ajuda financeira pra Nossa
Senhora dos Remédios
fardas escolares (e ufa!)
lamúrias dente de ouro
terno novo
bandeiras pra 7 de Setembro
Leite Ninho filha que se perdeu
na Rua 28 de Julho
A todos
escuto indistintamente
(sorriso amarelo
nos lábios)
e retribuo
com uma palavra amiga
ou uma dentadura nova


V
Assim meu povo
vai vivendo feliz sem nenhum desdouro
nesse país dos azulejos:
tomando café la touche
em xícaras rachadas
e ofertando rosas de plástico
às namoradas
Enquanto eu
sem arautos áulicos
bobo da corte
vou ficando
solitário cabisbaixo e sério
com medo de perder o império
E sabem a razão?
Não ter um filho varão
Mas exportado o problema
e importada a donzela
(do Reinado das moradas-inteiras
ou do Emirado das portas e janelas)
está resolvida a história

Como sou nobre
aceito até mulher pobre
Mas como tenho que aumentar o tesouro
que pelo menos (ela) tenha alma de ouro


VI
(No Largo do Carmo
na cadeira do engraxate
de 20 em 20 minutos
derruba-se a República
restaura-se a Monarquia)




Luis Augusto Cassas




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